quinta-feira, 6 de agosto de 2020

O EDIFÍCIO BANESPA NO IMAGINÁRIO DA CIDADE


                                                 (Texto publicado na coletânea "São Paulo do Brasil" -Antologia em prosa e verso).

 Pelo calendário, nessa quarta-feira de agosto, decorriam exatos 21.618 dias da aguardada inauguração, daquele que por mais de 20 anos seria  considerado o edifício mais alto da cidade de São Paulo. E acrescente-se mais: de acordo com a Revista Science et Vie, o nosso “Empire State Building”, (sim, porque o Edifício Banespa foi inspirado no seu irmão maior de Nova Iorque),   acentuava aquela  publicação francesa,  que estávamos diante do “edifício mais alto do mundo em construção de concreto armado, com exatos 161,22 metros e 35 andares”.  O assunto, rapidamente,  ganhou as manchetes locais e globais. O jornal  “O Diário de São Paulo- 20/06/47”,  destacava um dia antes do evento:      

“ O Edifício do Banco do Estado de São Paulo, que se inaugura oficialmente amanhã, é o mais alto da América do Sul, atingindo a altura de 161,22 metros, ultrapassando em muito o Edifício “Cavanagh”, de Buenos Aires, que até há pouco não encontrava rival na América. Tendo-se em conta os edifícios construídos em concreto armado, o do Banco do Estado é considerado o mais alto do mundo, pois os imensos arranha-céus que se erguem nos Estados Unidos são construídos em estrutura metálica, não havendo nenhum edifício em concreto armado que tenha essa altura.” 

Voltemos à data!

Esse 15 de agosto de 2007,  para efeito desse registro, é digno de nota.  O  Jornal da Tarde, de São Paulo,  nessa quarta-feira de agosto, no caderno Variedades, traz em matéria de capa, o título “Bebel em Sampa”.  Na verdade, “Bebel” é  a personagem da atriz Camila Pitanga na novela da rede Globo, chamada Paraíso Tropical.  Entretanto, a foto-montagem é que se torna reveladora e, evidentemente, reforça e acentua essa nossa análise.  Vamos a ela:    A imagem  registra uma ampla vista da cidade de  São Paulo, com grande parte dos seus imponentes edifícios “marcadamente” conhecidos.  À esquerda de quem olha para a foto, o Edifício COPAN, com sua arquitetura destacada,  e mais ao fundo, o Edifício ITÁLIA, com sua altura privilegiada; à direita, o imponente Edifício MARTINELLI, parcialmente encoberto pela figura da atriz/personagem em primeiro plano, ensaiando, como acentua  a matéria, a sua “avant premiére  na cidade de  São Paulo (a novela é situada no Rio de Janeiro), o que atende, acertadamente, ao título proposto pela editoria do jornal: “BEBEL EM SAMPA”.

Entretanto, se deixássemos  só por isso, faltaria algo para que a manchete atingisse o seu pleno significado aos olhos e mentes dos leitores.  Dissemos, faltaria...  No entanto, a foto-montagem, assinada por Alex Freitas, preenche com louvor essa lacuna, colocando, exatamente no centro da imagem, o imponente Edifício Altino Arantes. E vemos nele, nesses quase 22 mil dias  decorridos da sua inauguração, como num espelho, os reflexos precisos  da sua  simbologia,  ainda em pleno vigor no imaginário dos leitores.   Entendemos que o Edifício Banespa  empresta completude à matéria.   É pela força imagética do Edifício,  grandiosamente centralizado e apresentado  na imagem, por sua imponência, sua arquitetura, por suas linhas em forma de uma seta que se direciona ao céu, que aponta para o alto, como algo  por decifrar,  que vemos, todos nós, ali estampado no jornal, a cidade de São Paulo  que “Bebel”  irá  descobrir e desvendar.

O prédio, somado aos demais,  direciona o leitor para esse  imaginário. O edifício torna-se, na foto-montagem, um signo a ser conquistado nessa  Torre de Bebel”, que é a própria cidade de São Paulo. Ali, nessa Sampa simbólica,  com todos os ingredientes  de uma das maiores e mais populosas cidades do mundo, que Bebel/Camila Pitanga, na ficção, poderá “reinar” com “catiguria” (expressão da personagem para se referir às novidades e aos bem-sucedidos).  A foto-montagem, ao emprestar esse entendimento aos leitores, passa revelar  o que a vida real nos mostra de fato:  o antigo prédio do Banespa, atual Altino Arantes, no auge dos seus 60 anos, completados em junho de 2007, mantém-se, ainda hoje, como um símbolo representativo da capital paulista.

Diversos fatores, certamente, contribuíram para permanência do prédio no imaginário da cidade.  A própria  construção do  edifício, aliado a muitas dificuldade,  traz elementos essenciais para o fortalecimento da sua presença entre nós. Segundo Spirandelli, autor de um estudo sobre o edifício, o prefeito Prestes Maia surge nos momentos cruciais dessa implantação. A predileção do prefeito pelos arranha-céus nova-iorquinos, permitiu que em seu Plano de Avenidas, ele fizesse uso de uma frase providencial de Burhan,  que pode ser assim traduzida: “ Não façam pequenos planos. Eles não tem a magia para mover os homens. Façam planos grandiosos”. Se os planos grandiosos tem mesmo a magia para mover os homens, essa aura pretendida por Burhan/Prestes Maia encontraria ali, o local exato e o endereço certo.  A historicidade do edifício comprova que ele não é apenas um dos cartões-postais  da cidade, ou somente um marco referencial da paisagem paulistana.  Para Spirandelli*, o prédio integra a própria história de São Paulo:

“O Edifício Banespa não foi espectador passivo do desenrolar dos acontecimentos que formaram a capital paulista; seu destino esteve sempre ligado às lutas do povo bandeirante – que não se atemoriza diante do desconhecido – e sua presença é a prova em concreto-armado, de como obstáculos existem para serem estudados e transpostos, e servirem de experiência e estímulo às vitórias desejadas (...)   A singularidade de sua história deve-se ao fato de ter sido ao longo de mais de cinco décadas, o traço marcante dos fatores que promoveram o desenvolvimento urbano da cidade:  o café, a indústria e o capital financeiro (...)”

 Nos anos 90, um concurso em São Paulo culminou com a escolha de uma nova  referência para a cidade, ou seja,  a Avenida Paulista – recente centro financeiro-econômico de São Paulo. Entretanto, como observaram os profissionais de comunicação da empresa a um reticente funcionário do antigo banco Banespa, que rejeitava essa “transferência de poder” à centenária Avenida Paulista. “Um símbolo – disseram eles – um símbolo está na alma de um povo, no coração do cidadão, na memória de toda a gente”. À luz desses argumentos, aliado àquela  imprescindível e obrigatória presença do “espigão Banespa” na foto-montagem, o atual edifício Altino Arantes (antigo prédio do Banespa), ainda hoje, carrega no bojo da sua história, mais que um perfil de obra de engenharia – e bem mais que a referência do antigo centro econômico-financeiro de São Paulo; o prédio avança ao tempo, e como um ícone repleto de significados, mantém preservada a sua permanência atemporal e intacta, no imaginário da capital paulista e dos seus habitantes.


Texto:  Celso Lopes

Spirandelli Filho, Cláudio – O Edifício de São Paulo. TESE, 2002

Universidade Presbiteriana Mackenzie- Pós-graduação Stricto Sensu

Jornal da Tarde – Caderno Variedades  -  15/agosto/2007-  Capa

Lopes Júnior,  Diorindo  -   Crônica -  O velho símbolo não morreu

Publicação na ECB Revista  - pg 34