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Gêmeos,
os irmãos CAU e JUCE nasceriam num fatídico mês
de agosto. Mês em que as lendas e superstições tratam logo de dizer:
Agosto, mês do desgosto!... No entanto, a data destacava-se como histórica
para os pais, em especial, para dona Nara, a mãe, pois buscara origem dos nomes no Império Romano; e para a alegria dos
familiares e parentes, as crianças,
durante algum tempo comemoraram
juntas os festejos de aniversário. Vale dizer que ambos - Cau e Juce - tiveram
suas histórias de vida regidas por uma epopeia familiar. Dona Nara, quando grávida, debruçara-se sobre os principais relatos
de heróis medievais, à cata de nomes que mais se fizessem apropriados
ao primeiro filho, no caso, aos dois pimpolhos. Isso, tão logo o ultrassom acabara de
confirmar o sexo das crianças!... Dali à
escolha dos nomes, o tempo fora correndo
com curiosidades e empolgação . Mas sem dúvida, o mês de mau agouro, o mês de
cachorro louco, sempre surgia nas evidências das pesquisas feitas por dona Nara, até que... . Empolgada com a vida de um rico mercador romano,
escravizado pelo antigo amigo, mas que se esforçara pela conquista da liberdade,
dona Nara não vacilou: -
César Augusto. – e dizia a quem estivesse por perto, contornando a barriga, delicadamente, com as
mãos, e reiterando, inúmeras vezes, com
um largo sorriso nos lábios, o nome
épico do seu mercador Romano, distinto e especial; e dizia em alto e bom som para que o seu próprio bebê
pudesse ouvi-la: - CÉSAR AUGUSTO!...
E
então, sem meias palavras, assim de supetão, espocou-lhe à mente, o esperado nome para o
outro filho: - JULIO CÉSAR!... disse
dona Nara com ar comemorativo, o que
colocava um ponto final à sua
procura. Júlio César!... Júlio César!... emendou confiante e alegre, e dissera de
forma empolgadíssima, especialmente, porque o
achado era excelente: um general importante do Império Romano, um
homem audacioso... Enfim, um homem
aguerrido!... E a descoberta dos nomes surgiu
acompanhada de ajustes, com a precisão
de um bisturi: “- E que melhor coisa o “CAU” iria
querer, hein? - acentuava, alegremente, dona Nara, com a certeza de que o apelido criado pela junção das primeiras
letras de César Augusto, emprestava prestígio e simpatia ao seu grande mercador romano: C-AU!... -
e completava:- CAU é tão bonito, você não acha, Benhur?... Nessa hora, levava a definição ao marido, complementando
em delírio o nome do segundo filho:
JU-CE!...JU-CE!... Escolhido da mesma forma, com a junção das primeiras sílabas
do seu Imperador Romano JÚLIO CÉSAR!...E foi assim que pouco a pouco, dona Nara, apresentava-se com uma habilidade acentuada para “Mãe”. Parecia ter sido feita sob medida para a
maternidade dos gêmeos. E por isso,
pode-se dizer que adotara em seu lar, o desafio de uma forte criação
com paixão e amor, reiterando,
orgulhosamente, para todos: amava o CAU, pois gostava do jeitinho compenetrado daquele menino e, vaticinando à solta, via para ele – mais que no irmãozinho JUCE – um
brilhante futuro!...
E daí pra frente o mundo dera voltas e
mais voltas. E do desgaste na relação entre as duas crianças, surgiram as brigas e desavenças entre os dois gêmeos. Dona Nara presenciava o rancor e
o ódio latentes entre ambos, num desentendimento
crescente, aliado aos conflitos intermináveis
e sempre à tona. Uma profecia do destino,
quem sabe. Fosse ela, buscar explicações, diria que se comportavam como Caim e Abel,
destinados, pela pura inveja, ao
primeiro homicídio.- “E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu
que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o
matou” (Gn 4:8).
No
entanto, fosse
ela, dar ouvidos ao sonho que a perseguia desde há muito, carregado de
superstições
e fatos sobrenaturais, impregnados, todos, ao mês de agosto, dona Nara receberia a visita de lobisomens, bruxas maldosas e do diabo enganador de arcanjos,
prontinho, prontinho para levar consigo
as almas puras e ingênuas. E assim sucedia: o diabo travestido de cor negra das trevas, surgia-lhe, ora em forma de bichos como uma pantera, ora em forma de um gato preto de garras afiadas e longas, e reluzente como a lua cheia, intimidando-a como um espírito do mal e da
discórdia; e sem lhe dar chance,
pressionava-a para que fizesse a livre escolha de um dos gêmeos, ou CAU ou
JUCE. Sua recusa decretaria a morte de
ambos. Ao Diabo caberia, então, uma das
almas para habitar o reino das trevas e do inferno. Titubeante e indecisa, dona
Nara via-se diante de um caminho tomado
por horrendas feiticeiras, anjos rebeldes e vultos tortos e ofegantes, os próprios Cramunhões, monstros com rabo, orelhas grandes e afuniladas,
patas de unhas espessas, chifres de bode e asas rústicas de morcego, todos eles
discordantes do reino da paz e da ordem;
todos eles defensores do Diabo
negociador. Ali, então, os aflitos do
apocalipse aguardavam a sua decisão. Ou
CAU ou JUCE. Dona
Nara, sob emoção e lágrimas, sem saída,
empunharia ao Diabo um dos gêmeos, não sem antes ajoelhar-se compenetrada e
comovida em seu desespero de Mãe. Depois disso, o choro copioso dos gêmeos
expulsava aquele pesadelo sufocante, trazendo-a de volta ao mundo real.
O major CAU, hoje, estava no
Comando Geral da Segurança; e Júlio
César, o JUCE, o general Juce, o irmão
gêmeo da infância, agora, longe um do
outro, era o homem forte do tráfico, o chefe da maior organização criminosa
implantada no interior dos presídios.
E tiveram por onde serem rivais – ponderava
dona Nara - culpando-se, a todo o
tempo, por trazê-los à luz, juntos,
naquele mês de mau agouro, naquele mês movido por forças
demoníacas. Diante disso, desse calafrio
de medo que lhe invadia o corpo, dona
Nara chamava por constantes confissões,
e benzia-se, profundamente, clamando por
salvação junto ao Senhor, rogando ao
Misericordioso, todas as suas preces: “ - São Bento na água benta, Jesus Cristo
no seu altar, afastai todos os males peçonhentos e dai-nos a proteção para a vida (...)”. Dona Nara sempre camuflara esse temor do sonho
tenebroso, que a arrastava sempre para o oitavo mês do ano, evitando, assim, dizer qualquer coisa ao marido Benhur, que sempre se mostrava avesso
e descrente de quaisquer referências
às lendas e superstições. “- invencionices de quem não tem o que fazer!”– dizia
ironizando dona Nara.
Ainda ensaiando os primeiros passos no Presídio Disciplinar – a menina dos olhos da Segurança Pública
- Cesar Augusto, o CAU, o major CAU, de gestos fortes e irascível em
decisões, logo ganharia, internamente, o
apelido que lhe faria jus por muito tempo:
– Dá-Sem-Dó!... Por sua vez, ainda desconhecido no mundo do
crime, Júlio César, o JUCE, detido por
tráfico, apresentara-se à frente dos
detentos com uma postura de liderança
ímpar e criativa, capaz de
articular uma fuga memorável; ainda
que tivesse acabado de forma
trágica, o episódio somou pontos
no mundo das facções, marcando para
sempre a origem do destemido JUCE, o
general JUCE, como o apelidaram,
pois com a inteligência e a audácia dos aguerridos, teria dado
liberdade a mais de uma centena de internos, não fora o desabamento
imponderável do túnel, que soterrara
a maior parte dos fugitivos. Juce
escapara do incidente, no entanto, líder
nato, e temendo uma longa prisão, enfrentaria pela primeira vez, o antigo amigo de
infância, o irmão gêmeo, o major CAU, por força de uma ação de sequestro que liderara no interior do presídio.
Antes que se pudesse contar até três na
velocidade do som, o Major César
Augusto, o major CAU e sua tropa, fizeram tombar a porta da sala onde
Juce mantinha a refém, entretanto, recuaram temerosos diante do que viram. O general JUCE desenhara um cenário que exigia atenção e cuidados; mantinha a Assistente Social junto à mesa, deixando visível uma faca ao
alcance da mão. O Major CAU pode
ler nos olhos do irmão rival, general Juce, as
artimanhas de um golpe anunciado, por isso, manteve-se em silêncio,
sinalizando à tropa, o posicionamento em círculo. Estava claro que o general Juce levaria
essa infâmia ao fim do mundo,
pois mantinha a refém, a uma distância precisa, inibindo
qualquer iniciativa precipitada.
Enquanto o silêncio se
prolongava, o major César Augusto, o
major CAU, tentava decifrar aquele cenário estratégico: o episódio levado às últimas consequências seria capaz de
transformar o general Juce, de
bandido a herói, pois os tiros
sobrariam em maior parte para a própria Assistente Social. Sobre
a mesa, a faca reluzia diante de todos,
parecendo dizer que estava à espera, que aguardava ordens
para cumprir o seu destino de mau agouro, ou seja, furar bem fundo a jugular da
Assistente. Refém do silêncio, aos poucos, o Major CAU deixaria
ver em sua face os contornos de um sorriso enigmático, transformando-se,
paulatinamente, no antigo e
irascível Dá-Sem-Dó. Era evidente que precisava agir, tal qual
aprendera no comando da Polícia. A
tropa, sintonizada, interpretava
aquele código em ordens
de Atenção, Preparar, Fogo!....
Nesse
instante, porém, o que se ouviu a
partir dali, foi um grito maior e urgente. Um grito sobre-humano
de uma mulher que, instintivamente,
decifrava os enigmas e doava-se de corpo e alma aos seus rebentos. De braços abertos, como um sinal da cruz a
intimidar os fariseus, a Assistente disse por palavras proféticas: “Os mestres da lei e os fariseus se assentam na cadeira de Moisés.
Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem. Mas não façam o que eles
fazem, pois não praticam o que pregam. Eles atam
fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos não
estão dispostos a levantar um só dedo para movê-los (...).
Com
essa parábola, a Assistente
compreendeu que nenhum dos dois
cederia à intenção e ao gesto.
Cristãos todos, o general Juce
e Dá-Sem-Dó, o major CAU, recuaram, ambos, intimidados. A tropa baixou as armas. Juce afastou-se da faca. E com a delicadeza de uma Mãe, coube à refém indicar um caminho seguro para todos. O major CAU e o general JUCE acenaram – antagônicos, porém, consanguíneos e
desafetos - com uma certa reverência
fraterna diante daquela Nossa Senhora da
Salvação.
Tempos
depois, ambos, JUCE e CAU perderiam o pai para um doença incurável. Depois
disso, a fuga do general Juce não demoraria muito. E tão logo se pôs fora do presídio, um telefonema matinal
não desmentia que o seu rancor e
o ódio latentes, saltavam-lhe aos olhos.
O recado chegaria ao major CAU: “- ...Você me conhece, CAU, ou facilita a saída dos presos no Dia
das Mães, ou atrapalho e arrebento com sua carreira, sua e a do seu moleque na
base móvel Joana D’Arc!.. o que acha? ... O número do seu telefone?... tenho lá
minhas artimanhas, não é mesmo!... E antes, até, que o major CAU fizesse as
manobras no portão de acesso para o estacionamento, o general Juce, sem lhe dar tréguas para qualquer réplica, acentuaria
o tom de ironia: - Ah! CAU... Dona Nara mandou
lembranças, nunca esquece do nosso
aniversário, você sabe! ...e de mais a
mais, você sempre foi o xodó da Velha,
não é!?...
O
major CAU, por mais que rejeitasse
o irmão,
não poderia deixar de enxergá-lo nas
cores puras da infância: lá, bem longe do tempo, o corajoso Juce,
de semblante inteligente, ágil e
esperto... o estrategista Juce enganando
a todos nas brincadeiras de “Salva-Cadeia”...Já
não havia mais a quem pegar, todos os meninos estavam presos na corrente
indiana, faltando apenas o general romano Júlio César... e nada do
Juce aparecer pra libertar os amigos. Houve até quem o chamasse de general traidor!... Ali na rua, junto à praça, apenas alguns boias-frias solitários chegando
do trabalho, com seus apetrechos e
enxadas às costas... Pois, exatamente quando passavam pela “cadeia” surgiria o aguerrido Juce, o general Juce,
disfarçado num desses trabalhadores e, tranquilamente, daria o salvo-conduto
a todos os meninos daquela prisão
inventada pelo imaginário infantil!... O
major CAU sempre sorria muito dessa cena
desenhada em sua memória... Doutra
feita, sabe-se lá como, o mesmo Juce alçara o alto
vitral da Igreja, já iluminado,
e, ali, diante dos olhos desatentos de todos, postara-se como a imagem de um São Sebastião
– como se ele, também flechado, de
cabeça inclinada, fosse, àquela altura, um desenho impregnado às nuances multicores do
próprio vitral. Em instantes, Juce desceria do alto do batente e,
novamente, com seu gesto de deboche e um sorriso escrachado, “salvaria” os
amigos daquela infame prisão infantil; - liberdade para todos!... – dizia, provocando,
reiteradamente, o irmão.
Ainda
pela manhã, na reunião de cúpula, o
Major CAU tentara esfriar os ânimos dos
seus pares de linha mais dura, sobre a
sua proposta de liberação de presos no Dia das Mães; e também a extinção da base móvel Joana d’Arc, na sua
opinião, um alvo a céu acerto para as facções do crime. Era evidente que, mesmo amaldiçoando Juce, o Major tentasse ganhar tempo para elaborar algumas
estratégias diante das ameaças que sofria do irmão. Uma frase dita por Juce, ao
final do bate-boca entre eles, ainda
martelava em sua cabeça
“ - Bandido e Polícia também tem Mãe, não é
Major?!”.
Os
gráficos apontavam para um número excessivo de presidiários com acesso ao benefício do Dia das Mães; o
que traria pânico e insegurança à
população, além de um descrédito à própria esfera da Polícia. Depois de
entreveros, o Comando decidiu por nenhuma liberação. Voto vencido,
o Major CAU deglutia o resultado; o seu desconforto
saltava aos olhos mais atentos de alguns membros da Corporação, como o capitão
Jardim, que lhe indagara: “ - Está tudo
bem, Major?!...”
Ao
deixar a sala, o major CAU entendera que lhe
restava, agora, somente correr
contra o tempo para proteger o filho Marcelo na base-móvel Joana D’arc, com
a autoridade de Comandante e de Pai. Por essa razão dirigiu, pessoalmente, ao Controle Geral, solicitando apoio e reforço para a base e,
ato contínuo, assinara autorização para o seu desativamento. Arriscava-se, é verdade. Corria riscos de o interpelarem, porém,
era visível que temia a ameaça
do general Juce, com o seu recado de papo-reto. Mais claro, impossível. Mas,
o tempo fora curto. Curtíssimo até.
Antes mesmo que o major CAU dissesse “Espera, meu irmão, espera, Juce”, na velocidade digital do celular,
a voz do aguerrido general romano crescia poderosa, atingindo contornos que
desfaziam qualquer acordo, deixando,
inclusive, suspeitas sobre eventual vazamento da
Operação Dia das Mães. A voz
seca do general Juce soara como um
rojão, sinalizando um único
caminho de entendimento. Emudecido, o
major CAU sentia no próprio corpo, a pressão de um incômodo
e dolorido soco que o levava
a nocaute, estatelado no chão de um ringue:
“ - Não
brinco, CAU!... Não brinco!.”.- finalizou Juce de forma enfática.
“-Juce, espera!”... A voz do major CAU ganhou relevo, mas, provavelmente, não foi
ouvida.
Atropelando os seus próprios movimentos,
o majo avançaria corredor adentro no suntuoso prédio da Secretaria,
enquanto tentava, já, pela quinta vez, acionar
o celular do filho, a essa hora,
sem qualquer resposta. O major
CAU, atordoado, e quase em transe, seguiria, então, direto para a sala
do Comando, onde pode confirmar, o que o general
romano Juce, já havia lhe soprado no telefonema:
“ - A Base Joana D’Arc foi atacada, Major CAU
.. e há vítimas!..- disse o oficial.
Quem
olhasse para o major CAU de volta à
sala, e o visse abrir a gaveta e desta retirar a sua arma e o silenciador, conferindo
o carregamento, por certo não
conseguiria descrever a sua fisionomia. O que se via ali, era o
rosto de um homem velho, abatido,
com marcas que mais pareciam frinchas
numa parede nua; entretanto, eram
visíveis no Major, os traços
fortes, acentuando o que se pode chamar
de raiva, ódio e um clamor,
impiedoso, de vingança; e ainda que
atordoado com a referência, quem por
ventura passasse ali bem próximo, ouviria um
nome reiterado de forma insistente pelo o
Major CAU: - dona Nara!... dona Nara!...
O
carro do major já fazia as manobras
pelas ruas estreitas do bairro, onde observara
que, praticamente, o local ainda se mantinha com a mesma geografia dos tempos
idos. O major CAU ladeava o veículo e, por vezes, parava-o para
conferir o nome de uma rua, ou
ainda, para ver de perto o pé-de-amora na casa de dona Rosa,
fruta que fora objeto de desejo da sua infância... Noutra ocasião teria
aspirado melhor aquele cheiro agradável, aquele aroma puro que o tempo apagara.
No entanto, hoje, ali, o major CAU direcionava
o seu foco para a antiga casa azul de portão amarelo, quando, ao acionar a
campainha, fora atendido, calmamente, por Dona
Nara, agora, já bem idosa:
– A doce mãe do general
romano Júlio César - o JUCE!... - a
inconfundível mãe de César Augusto, o CAU,
o major CAU. A sua frente, a dois passos de distância, quando muito, irradiando uma esfuziante recepção, capaz de inundar a própria rua, dona Nara
derramava-se de alegria e emoção: - CAU, meu filho... mas quem diria... o meu menino!...–
Quanto tempo!... Que bom te ver por
aqui!...Parabéns pra você e pro JUCE!... onde anda aquele diabo de menino?!......
Por
instantes, o major CAU, sentiria dentro de si,
a voz melodiosa da Mãe como uma punhalada que o perfurava até a alma.
Entretanto, compenetrado, como sempre fora, militarmente circunspecto, diria para si mesmo, que não haveria volta. Dona Nara que o perdoasse,
mas não poderia transigir no seu intento frente ao irmão. Esperaria Juce, o tempo que fosse. Seu recuo,
agora, seria tão improvável quanto a ordem de
Juce contra a base móvel do seu
filho Marcelo. Enquanto a mão do Major CAU tocava,
sutilmente, o cabo da arma, a sua respiração crescia ofegante, mas não o
impedia de assentir para si mesmo, o que sua Mãe carregaria com ela, para sempre: O vale-tudo entre os irmãos rivais e o peso insuportável de uma vida carregada de
rancor e ódio entre o policial e o bandido; entretanto, antes que o major CAU seguisse o
seu raciocínio, ouviu-se, no alpendre, os ruídos de passos e a voz enfática do general Juce: “ Mãe!...Mãe... está por aí?” .
Aquela
presença, colocaria ali, mais uma vez,
frente a frente, o general romano Júlio César, o Juce,
e o irmão consanguíneo, CAU, o major
CAU. E entre
eles, agora, dona Nara, a genitora, a mãe de ambos que, eufórica como nunca, quebraria o incômodo silêncio. A visita
dos filhos queridos, depois de
tanto tempo, no exato dia do aniversário de ambos empolgava-a ao extremo; entretanto, ali, à curta distância, os olhos do general Juce fulminavam o
desafeto CAU, o major CAU, seu irmão:
- Por que o Marcelo,
Juce? ... Você tirou a vida do meu único
filho!?....
Com
os olhares cruzados, faiscantes e estratégicos, CAU e JUCE definiam a certeza de um gesto final que, no entanto,
fora interrompido pela mãe, dona Nara: -
O que houve, vocês brigaram? -
dissera ela, um tanto desorientada, porém
capaz de perceber que nenhum dos filhos
arriscaria a romper aquele insuportável silêncio... E então, ali, em
fração de segundos, antes que as armas cumprissem o seu ritual, o que se ouviu, enquanto CAU e JUCE decifravam
estratégias que levaria à eliminação de um ou de outro... enquanto JUCE
e CAU, reféns da tragédia anunciada, deixavam ver em suas faces os contornos de um
final inadiável,... enquanto
ambos interpretavam os códigos da vida como ordens
de atenção, preparar, avançar ....
nesse instante, nesse fatídico instante, o que se ouviu foi um grito desesperado de uma Mãe. Um grito de mulher que, instintivamente, doava-se de corpo e alma às suas crias, a despeito do sonho e das profecias de mau
agouro. De braços abertos, como um sinal da cruz a intimidar os fariseus
naquele templo, naquela sala ,
dona Nara fez valer a experiência
de quem percebe como inevitáveis,
a intenção e o gesto. Cristãos
todos, o general Juce e o major CAU
recuaram intimidados. Ambos com o desconforto intimo, abaixaram os olhos e as
armas diante daquela Salve Rainha, Mãe da misericórdia. Sem dizer qualquer palavra, mas, delicada
como uma Santa, dona Nara apontou-lhes um caminho seguro.
O
major CAU com a respiração entrecortada e ofegante, deixava visível a dor latente em sua alma carregada de
ressentimentos: o pior deles, o pior de todos, ou seja, a decisão de matar o irmão, o general JUCE, para
vingar o filho Marcelo!... Cabisbaixo, O general Juce reteve o seu
ímpeto, permanecendo ao lado de
dona Nara. Então, em silêncio sofrido, o general CAU beijou a mãe, e afastou-se lentamente, buscando a saída
como uma fuga em desespero. E ali,
rapidamente, CAU e JUCE trocaram olhares com um aceno entre ambos, como um
pacto possível, uma trégua, um sinal
de reverência diante da
redentora, daquela Mãe, daquela Nossa Senhora da Salvação, ali, desabada em lágrimas à frente de ambos. Em seu percurso de volta, o major CAU conferia pelo noticiário as ações do crime organizado naquele fatídico dia de agosto. Entre os alvos da facção sob o comando do general Juce, o repórter acentuara “ a
morte do policial Marcelo, filho do major CAU, na base
móvel Joana D’Arc!”... Antes que chegasse ao Instituto Médico Legal
– o IML, onde faria o reconhecimento do
corpo, o botão do rádio sentiu a pressão
dos dedos do Major, pois, ali, agora,
ele necessitava do silêncio como se
fosse o próprio ar que respirava. E sob aquele vazio volumoso, ainda que extremamente incômodo, o major CAU culpando a
si mesmo pela obediência cega
às normas e às ordens da sua
corporação, lembrara-se de Jeff – o Chefe do Laboratório Químico nos
USA, responsável pela preparação e envio
do Napalm
e do Agente Laranja às
frentes americanas no Vietnã. Também ele – recordava o major– também ele, Jeff,
cumprira com rigor a sua missão de apoio
incondicional às políticas de
guerra, entretanto, vivenciara o grito antibélico na própria pele, na
própria alma, diante das enfermidades,
mortes e do terror causados por sua presteza e competência!... As luzes do estacionamento já
deixavam marcas sobre a noite, quando o major CAU - tal
qual fizera o Engenheiro Químico Jeff O. Stanford - com gestos calmos e
demorados, que em nada lembrariam a
tensão daquele dia de agosto, retirou, novamente, a sua
arma e o silenciador do
porta-luvas. Instantes depois, quem
olhasse para o veículo de luzes
apagadas - sob um som abafado, quase em
surdina - notaria o clarão, o risco de luz, aquele brilho ágil e metálico de um tiro
ricocheteando no interior do carro, e
que por certo, atingiria, ainda nesta mesma noite, na dimensão de um sonho de horror, o âmago e alma de dona Nara, empunhando César Augusto, o CAU, o major CAU,
como um anjo ingênuo, para as mãos tenebrosas
do Diabo negociador, que, cumprindo a profecia do apocalipse, carregaria sua alma para habitar o reino das trevas e do inferno.
Nessa mesma noite, Dona Nara, sob forte emoção e lágrimas nos olhos, ajoelhou-se sofredora e compenetrada em seu desespero particular de
Mãe, entretanto, o choro dos gêmeos não mais expulsaria aquele seu pesadelo sufocante sobre o mau agouro
impregnado ao oitavo mês do ano.