GOSTA DE ESCREVER?...QUER ESCREVER?
Segue uma DICA de UMBERTO ECO...
As LISTAS sempre nos ajudam de
maneira prática com seu poder de inventariar, relacionar, elencar, etc. Por vezes, surgem como
enumeração ou repetição com objetivo específico
de acentuar algo. Alguns autores não se isentam do uso. É o
caso de Umberto Eco, que dedica considerável capítulo no livro “Confissões de
um jovem romancista”, definido por “
Minhas listas”.
O autor
justifica-se:” eu tive formação católica,
e assim me acostumei a recitar e ouvir ladainhas. Ladainhas são, por natureza,
repetitivas (...)”. Destacando que não há apenas listas verbais, mas também
visuais, musicais e gestuais, o autor cita inúmeros exemplos de uso e adequação
das listas usadas por autores. Detalhe
curioso é a carta do próprio autor UE dirigida
ao filho de um ano de idade. O tema? Uma
LISTA de armas de brinquedo para que o menino se tornasse um “pacifista” na idade adulta.
Vejamos um trecho da enorme lista: “ Então
seus presentes serão armas. Espingarda de cano duplo. Armas de
repetição.Submetralhadoras. Canhões. Bazucas. Sabres. Exército de soldados de
chumbo em uniforme de combate(...) paióis de polvora, contratorpedeiros.
Metralhadoras. Adagas. Revólveres. Colts e Winchesters (...) Bombas.
Arcabuzes.Colubrinas. Estilingues. Arcos e flexas. Balas de chumbo. Catapultas.
Tições. Granadas...”. Depois de uma longa lista enumerativa de armas, eis como finaliza a carta ao filho: “(...)
Em outras palavras, armas.
Muitas armas. Esses, meu garoto, serão os pontos altos das suas noites de
Natal.”
Em outra obra, Baudolino, ao encontrarem um rio sem água, Eco informa: “imaginei um rio feito de pedras de diferentes tamanhos (...) e encontrei uma maravilhosa lista de pedras e outros minerais na História Natural (Plínio). Aqui vão alguns espécimes do meu catálogo:
“ (...) era um fluir majestoso de rochas e de terra, que corria inarrestável, e podíamos perceber naquela correnteza de grandes rochas informes, placas irregulares, cortantes como lâminas, amplas como pedras tumulares, e entre uma e outra, cascalho, fósseis, pontos, escolhos, espontões (...).
Em meu conto DUELO SOBRE A MESA fiz uma certa paráfrase ou um ligeiro intertexto com base nesse “rio de pedras” de Eco Eis o trecho final:
Um dos peritos, impressionado pelo fulgor do embate, chegou a citar, textualmente, “o caótico rio de pedras”, narrado pelo escritor Umberto Eco*. “ E não sem razão; há de se acreditar, insistia o perito, que no auge desse enfrentamento imperioso, o interior de ambos seguia em contínua ebulição, revelando uma torrente furiosa, tal qual uma “correnteza de grandes rochas informes, placas irregulares e cortantes como lâminas, e amplas como pedras tumulares (...)”. Fortalecendo a narrativa técnica, o perito retomaria o “caótico rio de pedras”, criando, aleatoriamente, um apoteótico final: “nenhuma voz humana podia se fazer ouvir naquele instante fatal sobre o duelo na mesa; embora ambos, ali, tivessem o desejo de falar, de se despedirem de toda a carga de emoção que arrastavam consigo, não conseguiriam. O ‘rio de pedras’ interior que os conduzia, enfurecia-se cada vez mais, levando tudo ao redor para as invisíveis vísceras da terra, pulverizando cascalhos, blocos e rochas para exprimir, talvez, a impotência maior do Homem e da Mulher frente ao embate do vírus vencedor.”
Noutro conto, “ FAZ DE CONTA QUE A GENTE NÃO VIU NADA “, utilizei uma lista de nomes indicativos de xingamentos desbocados ou palavrões dirigidos a um dos personagens. Vejamos: “ - Ô doutor, sou burro?!... O abusado, doutor, me levando no bico...Eu, doutor, desculpe o cidadão aí atrás, fosse eu um boca-suja disparava as balas: arrombado, cuzão, desgraçado, caga-grosso, piopio, rabugento, mesquinho, estúpido, arregaçado, peida-vento, caga-tora, vira-lata, puto, boqueteiro, bosta, merda, chupa-rola, chera-rola, viciado, xarope, mula, doente, conchavado, estorvo, recalcado...Nada, doutor, nada que derrubasse os dois, o BURQUE e o BOVE em pé no ringue, e que se um caía, quando levantava era ainda mais homem do que antes, e que foi o maior toma-lá-dá-cá que já existiu nessa vida, doutor!.. (...)
Ainda em complemento ao assunto, a seu modo, o Padre Antônio Vieira, considerado o “gigante da oratória sacra” e um dos maiores autores da língua portuguesa, dotado de talento e erudição, em seus Sermões faz uso de enumeações e/ou aliterações provocando surpreendentes narrativas. Vejamos um trecho do “ Sermão do Bom Ladrão (ou da Audácia”, onde afirma que na Índia portuguesa se conjugava o verbo roubar por todos os modos: “ furtam de todos os modos da arte... tanto lá chegam começam a furtar pelo modo indicativo... furtam pelo modo imperativo.. furtam pelo modo mandativo... furtam pelo modo optativo... furtam pelo modo conjuntivo... furtam pelo modo potencial... furtam pelo modo permissivo... furtam pelo modo infinitivo, porque não tem fim o furtar com o fim do governo (...)
No Sermão do Espírito Santo, destaca: “ Vêde o que faz em uma pedra, a arte. Depois que desbastou o mais grosso (...) ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos: aqui desprega, ali arruga, acolá recama, e fica um homem perfeito, talvez um Santo que se pode por no altar (...)