quarta-feira, 15 de novembro de 2023

GUARÁ... UM FILHO TEU NÃO FOGE!...

 


GUARÁ, UM FILHO TEU NÃO FOGE...”

 

Ainda hoje me faz falta uma palavra exata

sobre minha origem:

sou uma ave pernalta ou sigo meu caminho

sobre quatro-patas?

 

Quero asas pra singrar os céus,

galgar sobre as cores do arco-íris

e comer nuvens de algodão...

Também me dou pernas fortes e ágeis,

sou como um lobo-guará  de olhos ariscos,

a vigiar a mim mesmo

de todos os  riscos neste chão!...

 

Sou uma‘garça’desde os tempos da minha avó...

ou  quem sabe, um filho rebelde da antiga matilha

a ser expulsa pelo asfalto...

 

Mas o que me faz falta mesmo

é uma  palavra exata,

que  brade aos quatro-ventos,

que exale o cheiro do mato,

que exalte a minha cachoeira,

o rio Sapucaí...

uma palavra que siga, indefinidamente,

nas margens sinuosas  do rio Verde,

o meu ribeirãozinho piscoso,

as terras da Grota e da Água-fria...

 

Faz-me falta uma palavra assim:

intensa, delicada, plural, completa,

que  espalhe e  respingue toda a emoção 

dessa minha eterna  prosa com o  Tempo!..

 Texto:Celso Lopes  


BALANÇO DO TEMPO 


A cidade de Guará,  que anteontem me viu nascer; 

Ontem, partir... Hoje me acena a volta, 

 com sutileza de quem sabe dar corda ao tempo!

 Me traz  a bola-de-gude, o bete na Rio Branco,

 me dá o biloquê e o pião... 

Guará me traz o pique, a salva-cadeia, o papagaio no céu, 

 me traz  trem-de-ferro, a mogiana e o campinho da estação.

 E são tantas as lembranças, meu Deus, quantas!... 

Mas  o menino que me habita não se espanta: 

segue pelas ruas, com os pés descalços, bem presos ao chão... 

(Não cresce nem envelhece, essa criança)... 

No entanto,   pinta e borda, balançando ao vento 

e ao léu, na ponta daquela longa  corda! 

A cidade que me viu nascer e partir,

e que hoje me acena a volta, 

sabe mesmo onde me dói o calo: 

 Quando na minha memória, resvalo naquele menino, 

a me olhar com os olhos que são meus,

e a me dizer das lembranças com a minha própria voz... 

Eu e ele somos um, somos um só, tão franzinos, tão sós... 

(O homem e o menino) ambos, os dois...

correndo atrás do tempo em busca de nós!... 


Texto: Celso Lopes


MEMÓRIAS ESCOLARES 

 (castigo & palmatória) 


Quando me ajoelho 

seis grãos de milho surgem

 debaixo dos meus joelhos... 

 Criaram raízes, mas não frutificaram. 

Dei graças a Deus 

 e aprendi a contar mais que sete! 

Pra quem me deu castigo, as sete pragas do Egito, 

pra quem me deu tortura sete anos de amargura... 

Mas quando me ajoelho, como agora, 

Vejo  um campo florido, contemplo aurora... 

Então  de joelhos, peço mil perdões pela agrura

e setecentos anos de doçura!... 


Texto: Celso Lopes


UMBIGO...


Minha cidadezinha passou

Escapou lenta, 

Medrosa

Cheia de Vida...



CLASSIFICADO PEDE PÁGINA 


Reclamem Zé Pedro, por mim, suplico!... 

Nome de batismo: José Pedro da Silva.

 Há de haver esse crédito, afirmo. 

Gritem nas roças, nas praças, anunciem no alto-falante... 

Acessem a internet,  liguem os centros, países, vielas, 

Informem-se em todos os bairros e cidades: Zé Pedro!... 

O menino de calças-curtas, botinas enlameadas e camisa xadrez... 

Um rosto sereno - redemoinho no cabelo - e uns olhos à espera do futuro. 

Há de estar por aí, asseguro-lhes!.. Zé Pedro. 

Desaparecido na quarta série primária, 

com sua  voz envergonhada, camuflando todos os sonhos... 

Trabalho, coragem, luta e uma dor indecifrável serão pistas. 

Não há bilhetes, porque essa gente não manda, faz!... 

Reclamem Zé Pedro! Olhem os  arquivos, armários, fichas escolares... 

Confiram a letra,. Debrucem sobre a caligrafia inconfundível  

Afinal, o que é mesmo a Vida? Grafoscopia, linha das mãos, 

destino ou ironia? 

Revirem tudo, decifrem hierógrafos, se preciso. 

Visitem a Bíblia, usem o DNA, ou seja lá o que for!... 

Procurem Zé Pedro. Suplico pensamento positivo; 

façam corrente até. Não há dúvidas, é pura dívida: 

Precisamos desse patrimônio vivo!... 

Mestres, perdoem-me se insisto, mas puxem pela memória. 

O primeiro da fila - tímido, matuto, uniforme azul e cinto... 

Um sorriso meio ingênuo, um gesto meio adulto... 

Ah!...reclamem Zé Pedro!....Se vissem, e ouvissem e soubessem

como ele rezava o beabá dos animais e a ciência das plantações:

(os rios, o sol, a lua, os campos,  as árvores, as matas, as estrelas e a chuva...)

Reclamem Zé Pedro, não desistam... 

O menino, a criança, o jovem... O homem... 

onde estiver que me ouça: 

receio a história, todas as histórias, 

sem o justo e verdadeiro herói. 


Texto:   Celso Lopes 

[


RASTROS... 


O melhor do meu sorriso 

dorme sob as lonas de um Circo...


A melhor mágica

o maior salto 

o mais engraçado palhaço 

todos dormem 

num doce e profundo sono.


Cão e Gato essa alegria 

que mais dia, menos dia

reconhece a  casa 

e reconhece o dono!...