Ainda
hoje me faz falta uma palavra exata
sobre
minha origem:
sou uma
ave pernalta ou sigo meu caminho
sobre
quatro-patas?
Quero
asas pra singrar os céus,
galgar
sobre as cores do arco-íris
e comer
nuvens de algodão...
Também me
dou pernas fortes e ágeis,
sou como um lobo-guará de olhos ariscos,
a vigiar a mim mesmo
de todos os
riscos neste chão!...
Sou uma‘garça’desde
os tempos da minha avó...
ou quem sabe, um filho rebelde da antiga matilha
a ser expulsa
pelo asfalto...
Mas o que
me faz falta mesmo
é
uma palavra exata,
que brade aos quatro-ventos,
que exale
o cheiro do mato,
que
exalte a minha cachoeira,
o rio Sapucaí...
uma
palavra que siga, indefinidamente,
nas
margens sinuosas do rio Verde,
o meu
ribeirãozinho piscoso,
as terras
da Grota e da Água-fria...
Faz-me
falta uma palavra assim:
intensa, delicada,
plural, completa,
que espalhe e respingue toda a emoção
dessa
minha eterna prosa com o Tempo!..
BALANÇO DO TEMPO
A cidade de Guará, que anteontem me viu nascer;
Ontem, partir... Hoje me acena a volta,
com sutileza de quem sabe dar corda ao tempo!
Me traz a bola-de-gude, o bete na Rio Branco,
me dá o biloquê e o pião...
Guará me traz o pique, a salva-cadeia, o papagaio no céu,
me traz trem-de-ferro, a mogiana e o campinho da estação.
E são tantas as lembranças, meu Deus, quantas!...
Mas o menino que me habita não se espanta:
segue pelas ruas, com os pés descalços, bem presos ao chão...
(Não cresce nem envelhece, essa criança)...
No entanto, pinta e borda, balançando ao vento
e ao léu, na ponta daquela longa corda!
A cidade que me viu nascer e partir,
e que hoje me acena a volta,
sabe mesmo onde me dói o calo:
Quando na minha memória, resvalo naquele menino,
a me olhar com os olhos que são meus,
e a me dizer das lembranças com a minha própria voz...
Eu e ele somos um, somos um só, tão franzinos, tão sós...
(O homem e o menino) ambos, os dois...
correndo atrás do tempo em busca de nós!...
Texto: Celso Lopes
MEMÓRIAS ESCOLARES
(castigo & palmatória)
Quando me ajoelho
seis grãos de milho surgem
debaixo dos meus joelhos...
Criaram raízes, mas não frutificaram.
Dei graças a Deus
e aprendi a contar mais que sete!
Pra quem me deu castigo, as sete pragas do Egito,
pra quem me deu tortura sete anos de amargura...
Mas quando me ajoelho, como agora,
Vejo um campo florido, contemplo aurora...
Então de joelhos, peço mil perdões pela agrura
e setecentos anos de doçura!...
Texto: Celso Lopes
UMBIGO...
Minha cidadezinha passou
Escapou lenta,
Medrosa
Cheia de Vida...
CLASSIFICADO PEDE PÁGINA
Reclamem Zé Pedro, por mim, suplico!...
Nome de batismo: José Pedro da Silva.
Há de haver esse crédito, afirmo.
Gritem nas roças, nas praças, anunciem no alto-falante...
Acessem a internet, liguem os centros, países, vielas,
Informem-se em todos os bairros e cidades: Zé Pedro!...
O menino de calças-curtas, botinas enlameadas e camisa xadrez...
Um rosto sereno - redemoinho no cabelo - e uns olhos à espera do futuro.
Há de estar por aí, asseguro-lhes!.. Zé Pedro.
Desaparecido na quarta série primária,
com sua voz envergonhada, camuflando todos os sonhos...
Trabalho, coragem, luta e uma dor indecifrável serão pistas.
Não há bilhetes, porque essa gente não manda, faz!...
Reclamem Zé Pedro! Olhem os arquivos, armários, fichas escolares...
Confiram a letra,. Debrucem sobre a caligrafia inconfundível
Afinal, o que é mesmo a Vida? Grafoscopia, linha das mãos,
destino ou ironia?
Revirem tudo, decifrem hierógrafos, se preciso.
Visitem a Bíblia, usem o DNA, ou seja lá o que for!...
Procurem Zé Pedro. Suplico pensamento positivo;
façam corrente até. Não há dúvidas, é pura dívida:
Precisamos desse patrimônio vivo!...
Mestres, perdoem-me se insisto, mas puxem pela memória.
O primeiro da fila - tímido, matuto, uniforme azul e cinto...
Um sorriso meio ingênuo, um gesto meio adulto...
Ah!...reclamem Zé Pedro!....Se vissem, e ouvissem e soubessem
como ele rezava o beabá dos animais e a ciência das plantações:
(os rios, o sol, a lua, os campos, as árvores, as matas, as estrelas e a chuva...)
Reclamem Zé Pedro, não desistam...
O menino, a criança, o jovem... O homem...
onde estiver que me ouça:
receio a história, todas as histórias,
sem o justo e verdadeiro herói.
Texto: Celso Lopes
[
RASTROS...
O melhor do meu sorriso
dorme sob as lonas de um Circo...
A melhor mágica
o maior salto
o mais engraçado palhaço
todos dormem
num doce e profundo sono.
Cão e Gato essa alegria
que mais dia, menos dia
reconhece a casa
e reconhece o dono!...