Tenho nome, amiga (conto)
9 Concurso Literário Celso Sperança (Cascavel/PR
Parabéns!
Você
é um dos vencedores do 9º Concurso Literário Celso Sperança!
A cerimônia de premiação
ocorrerá no dia 09 de novembro, às 15 horas na Biblioteca Pública Municipal
Sandálio dos Santos em meio às comemorações de seus 54 anos. Pedimos a
gentileza de confirmar sua presença até o dia 05 de novembro pelo telefone 45.
3902.1370 ou pelo email concrusoliterariocascavel@gmail.com. Ficaremos honrados em ter sua
presença conosco! Caso você não possa comparecer na cerimônia, os 20 exemplares
do livro com os textos vencedores lhe serão enviados via correios para o
endereço informado no momento de sua inscrição. A premiação em dinheiro será
depositada no mês de novembro, dessa forma logo faremos novo contato para
receber suas informações bancárias. O link para a
página é esse: www.facebook.com/semuccascavel
Conto Melhor
Idade
1º Celso Antonio Lopes da Silva Tenho
nome, amiga São Paulo (SP)
2º Fernando Luiz de Barros
Bueno A morte em capítulos BH/MG.
3º Maurício Matos Cunha O
mistério da xícara São Gonçalo (RJ)
A
divulgação desta premiação também pode ser acessada em:
Agradecemos
sua participação e parabenizamos pela conquista! Att.
Comissão
Organizadora do 9º Concurso Literário Celso Sperança
SECESP
& Biblioteca Pública Municipal Sandálio dos Santos
TENHO
NOME, AMIGA!...
“- Pronto, chegamos, amiga!... essa porta, minha amiga...a
fechadura emperrada faz tempo, o dono nem aí, eu que me vire, não é?... Pois
aprendi um jeitinho que só eu sei,
amiga: inclino o joelho e forço pra dentro, depois empurro o batente com a
mão... Agora é só rodar a chave, viu?...... Entre, amiga, entre!...Não bote
reparo nessa desarrumação, tempo não tive ainda, o que vivi nesses dias, amiga,
você nem imagina...Sou assim, de falar muito,
também, né, acostumada que eu era no atendimento dos clientes no Supermercado, quanto tempo, não é? Olha eu
aqui indicando o sofá, acha que precisa?
Pois fique sem cerimônia, a casa é sua...já entrou, agora fique à
vontade... Eu nem precisava dizer, mas vou dizer... Juro que não me demoro, é só o tempo de
mudar a roupa, retocar o batonzinho e a maquiagem... ah! amiga, disseram que chegando
até as onze na balada,
a boca é livre, mulher é de graça, pois
assim é que não vou me demorar mesmo, não é?!...
Sou dessas não, amiga, ... rapariga que
se desfrute, eu? Sou não!...Sou nada!... O cara se lambuzar do mel e depois sumir, sou é? Sou nada. Essas minhas coxas roliças, arredondadinhas, sei que tenho esses minhonzinhos folgando na sainha, os
seios explodindo, os lábios carnudos, esses que tenho – pois não é que os caras
pensam que eu só quero beijo, agarração e... Sou é carinhosa, amiga, uma mulherzinha que
seja, dessas bronzeada, escultural, mas sensível, carente, amiga. Então, lá quero ser avião na língua maldosa dessa gente? Quero nada!... No fundo, no fundo, amiga, quero um ninho,
não é?!... E quem não quer, me diga?!... Tenho nome, amiga, nome e
sobrenome, tenho ou não tenho? E sou lá de ter medo da língua de alguém,
sou?
Pois como eu lhe disse antes, amiga, , a
moça do jornal, a jornalista, prometeu que eu ficasse descansada, jurou que o jornal contaria a tragédia sem revelar
o SANTO, mas do DIABO, esse, eles tirariam a roupa. Jornalista que era, a zinha afirmou que
faria tudo pra acabar de vez com essa... essa
falta de segurança nos bairros da periferia – pois foi com essas letras, o
que disse. E continuou, amiga: um absurdo essa violência que anda solta nas
ruas, onde já se viu, ela
disse. E disse mais: o Brasil de hoje
está precisando de mais coragem do povo...gente pra denunciar o
mal, castigar os maus. Separar o
que é joio e o que é o trigo. Assim ela fala.va. E a zinha, minha amiga, ainda me confessou que era
defensora das mulheres, principalmente das mulheres, pois não admitia nunca um crime assim, chamou
de crime o que sofri, amiga!...Crime hediondo!... fiquei sem entender na hora,
mas ela explicou tudo.
Penalizou comigo, eu acho, que eu corria o risco de alguma doença, sabe se lá!... é, amiga, até em AIDS
ela falou. E disse mais: tem doença que
a pessoa não sente nada, mas pode ficar
dentro da gente por muito tempo. E sabe
o que mais, amiga: quando sai, traz complicações, a pessoa pode ficar cega,
paralítica, com problemas na cabeça ou no coração... e o pior, pode morrer!
....Sífilis, me disse! Ai, amiga, nem te conto, uma ferida que aparece depois
de duas ou três semanas. Tremo, amiga, só de falar neste nome: SÍFILIS!...
Diga,
minha amiga, não tenho razão de ficar
assim? Força é que eu não tive tanta naquela hora. Tivesse, eu estendia aquele praga no matagal.
Mortinho, se pudesse!... Homem morto não estupra, amiga. Um homem que até me pareceu apessoado e bem
feito de corpo, minha amiga. Foi o que pude ver no relance daquela noite sem lua. Um breu, o escuro. Forte, o tipo. Alto feito
galã de novela. Me vi só, no caminho até
o ponto do ônibus. Escondido que
estava, não vi mais nadinha. Surgiu assim-assim, como um relâmpago. Num repente, um trovão. Uma explosão. Uma trovoada
que me derrubou ali mesmo. Escureceu tudo quando espatifei no chão!....
Ainda hoje me dói o tapa que levei, minha amiga. Tanta força, aquela mão cheia
de dedos. Caí estatelada, de corpo inteiro, com o bofetão no rosto. Eu feito um bicho do mato, arrastadinha pelos
cabelos. Vapt e Vupt! o excomungado me arrancando saia e blusinha num instante. Vapt e Vupt!...
Da calcinha fez tiras. Da blusa, se
quiser, te mostro, amiga, fez um trapo só!
Ainda me lembro com ódio, amiga. Se ódio matasse!...Ainda trago as dores
do que eu sofri, amiga, não há perdão. Rancor e fúria, o que eu tenho aqui
dentro do peito. Um dia, amiga, um dia
desses, quem sabe comprar uma arma, sei
lá, sei lá, fico aqui pensando... Jogar dentro da bolsinha e ficar ali na
moita, esperta, concentrada, babando o
ódio, só no aguardo, só esperando a hora da onça beber água, aí, ó: Xis’Tó!...
Um tiro só e basta. Um furo no meio da testa que é pra varar os miolos daquele
demônio. Depois, Xis’Tó-Tó!... dois , três, quatro, cinco... descarrego a arma
todinha, e estatelo o filha da puta ali
mesmo, o doente, o falso, o perturbado
da mente... e deixo lá pra feder o
corpo. Se olho, amiga, já vejo os urubus no ar, as moscas em rodamoinho, e as saúvas
na boca, arrancando a carne, dançando em meio ao sangue podre
daquele desmiolado!... Eu, ali, amiga, me debatendo até perder as
forças. Eu, ali, amiga, quase morta, já
sem voz, desfalecida, desprotegida de tudo, e
ele... e ele...
Ah!
amiga, queira Deus nunca mais eu encontre o frustrado, o infeliz, o
desgraçado que me desmoronou, me pôs em
naufrágio, me virou e revirou do avesso.
Engulo seco só de pensar, te juro, amiga!
Duas noites sem dormir. Três só de susto. Tanta mulher querendo amor nessa vida e vem esse desaforado, fugido
do manicômio, ou do inferno, do sei lá de onde... sujeito mais deseducado, o covarde, o puto, o filha da mãe!...
Não
valendo o tiro, minha amiga, não valendo os tiros, apelo pra amarração das grossas. Mando
preparar reza brava. Onde estiver, o
sem-juízo há de sentir a força das orações...
há de lhe doer por dentro até a
alma. Quero pra ele uma vida no vício
maldito e na doença, é o que eu lhe desejo. Uma
ferida cancerosa que lhe apodreça o sexo, amiga, um mal sem cura que lhe
dê feições purulentas da cabeça aos pés...
Vou na cartomante, no tarô ou nos
búzios. Quero o pior dos feitiços, a pura maldade, minha amiga!... A vida
inteira, quero o medonho e peçonhento no desemprego. O tempo que lhe resta seja na eterna
bancarrota, amiga. Uma grande destruição, amiga. Ferida só, o pus escorrendo, chaga pura,
tuberculose mortal e lepra pelo corpo... e mais ainda, amiga: feitiçaria amarrada e assinada que é pro
depravado descobrir quem mandou fazer. Há de chegar o dia que ele vem
comer aqui na minha mão, aí.... deixo o
infame morrer!... Um trabalho maligno,
sujo, coisa de demo, o coisa-ruim passando recado pras mãos poderosas, conhecedora de espíritos, só pra ver o
depauperado choramingando em desespero e dor, amiga. Ele, o
doido, sem paz nenhuma; ele, o ratuino, sem um amor sequer nessa
vida. Sem saber de felicidade alguma. Só a traição eu lhe desejo... a traição e a morte lenta, cruel e agonizante!
Gostou
amiga, gostou? Aposto que foi das cores,
não foi?...O vermelho vivo, brilhante!... Pois foi um presente que me dei,
amiga. Sutiã e calcinha num precinho que
não tem igual. A vendedora até me
elogiou o gosto. Sinceridade? me disse assim, a vendedora: combina com a sua pele, garantiu! Não liga que sou assim, amiga. Vou e volto. E
falo, falo, falo... Também pudera, amiga, as outras meninas, acho que nem ligaram. Mas, eu não sou elas,
falei pra repórter. Quero o diabo
recluso. Entre grades. Que a justiça seja feita. Tenho nome, insisti. Não sou a
Mariana, aquele filezinho, aquela dondoquinha do bairro, ainda por cima menor, 15 ou 16, quando muito. E não dava
mole? Vivia pra cima e pra baixo, amiga,
com aquela minissaia que mostrava
até o lusco-fusco, quem não via, quem
não via, quem? Pergunte aí!... Lindalva era a loirinha da rua de cima, não
a baixinha, tem uma baixinha lá. A alta, a
posuda. Essa eu conheci muito
bem, amiga. Uma sonsa que só! Sonsinha,
a desajeitada. Freira de convento, que só vendo!... Sabe, beata de
igreja, sabe, amiga? Pois é, vivia coberta da cabeça aos pés. Decote? Nenhum,
nenhum! Perna de fora? Nã-nã-ni-nã-não, nada disso. Essa Lindalva,
não sei não, ponho a mão no fogo por ela? Ponho? Eu, é!... Eu é que não!... E a Selminha?
Aquela, pobre era pouco. Amontoada com
doze irmãos naquele barraco à beira de um esgoto a céu aberto. Chego a ter pena
da coitada!. Como sofria...Tinha corpo, só corpo, aparência, sabe. Analfabeta
de pai e mãe. Nem lia nem escrevia, a pasma! Caiu num conto-do-vigário por dois reais. Apanhou que só, a inocente!... Mas eu, o que sou, não sou
eu?... Tenho nome e tutano, maior de
vinte e um, beirando vinte e dois!
Pois a
Jornalista aí mesma sentou, minha amiga. Também os braços apoiados como os
teus. Não carecia pena, falei. Sou mulher de enfrentar os perigos dessa vida.
Sorriu explicativa: soubera do acontecido na décima oitava. Se menor eu
fosse, não colocaria o nome, só as
letras da abreviação. Ordem do juizado,
me disse. Quis ver a minha
certidão. Na certa eu lhe mentia,
pensou!... Pois, olhe agora aqui no
jornal. ...Não foi o que te disse?... Juro
que não me conformo. Repare você mesma, amiga, e me diga:
Menor N.B.S. eu é que não
sou, sou? Sou nada!
Quero a correção, o meu nome estampado com todas as letras. Afinal, quem provou do veneno, ela ou eu? Não
me perdôo, amiga, pois a danadinha da
repórter gravou todos os “as” e os “nés” que falo. Repeti letra por letra no gravador da linguaruda: “Nildete Aparecida Capuano, N.A.C. as minhas letras maiúsculas, eu
disse! ...Pois, agora, aqui está, falsa e mentirosa, a notícia!... Menor N.B.S, sou eu? Sou?... Sou nada!... Sou maior e
vacinada, sou ou não sou? Maldosa, o que foi.
Aqui está, olhe você mesma, minha
amiga, a manchete traiçoeira: “MENOR
N.B.S. ESTUPRADA” - Essa sou eu? Sou? Eu é que não sou, sou?..
Ai, amiga, não
me sai da cabeça que posso estar contaminada. Pior, amiga, e se carrego já um
filho do demônio? Parece, amiga, que tudo isso vinha na minha cabeça, naquela
hora, por isso gritei, gritei alto, gritei muito, o mais que pude, não sei onde
achei tanta força em mim, um grito que
me veio das entranhas até que o bandido
me destapasse a boca e fugisse. Eu de barriga, faço aborto, tenho direitos. Mas
e o filho, amiga, filho criado no ventre,
é filho, é ou não é?... SÍFILIS,
amiga, tremo só de lembrar. Se me
acontece, passo pra ele também esse drama, amiga!
Exagerei,
amiga? Exagerei, não foi? É que estou assim fula da vida, ai que ódio!...Também reparou nas minhas mãos, não é?... O esmalte
das unhas, lembra? o teu presente!... Lembra da festa que fomos naquele dia,
amiga, lembra?... Bebi tanto, menina. Lembra o que bebi?... Vodka pura,
menina. E a cara do João?.... Ai, minha
amiga, cobras e lagartos engoli. Um
sabão, ele me passou! Prontinho, amiga, e então, estou bonita? Te confesso, amiga: adoro batom vermelho.
Batom vermelho, um lencinho e o decote do vestido.... Vamos, amiga, vamos!... Vamos bem juntinhas, que traz perigo a noite
nessas bandas!...”
Xis-Tó-Tó – Adaptado de X’Totó (onomatopéia para explosão de
foguetes/ Guimarães Rosa) - In: O léxico de Guimarães Rosa, de Nilce
Sant’Anna Martins.
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