sábado, 10 de novembro de 2018

Tenho nome, amiga - conto - Premiação Conc.Celso Sperança- Cascavel PR

Tenho nome, amiga (conto)

9 Concurso Literário Celso Sperança (Cascavel/PR


Parabéns!
Você é um dos vencedores do 9º Concurso Literário Celso Sperança!
 A cerimônia de premiação ocorrerá no dia 09 de novembro, às 15 horas na Biblioteca Pública Municipal Sandálio dos Santos em meio às comemorações de seus 54 anos. Pedimos a gentileza de confirmar sua presença até o dia 05 de novembro pelo telefone 45. 3902.1370 ou pelo email concrusoliterariocascavel@gmail.com. Ficaremos honrados em ter sua presença conosco! Caso você não possa comparecer na cerimônia, os 20 exemplares do livro com os textos vencedores lhe serão enviados via correios para o endereço informado no momento de sua inscrição. A premiação em dinheiro será depositada no mês de novembro, dessa forma logo faremos novo contato para receber suas informações bancárias. O link para a página é esse: www.facebook.com/semuccascavel


Conto Melhor Idade   
1º Celso Antonio Lopes da Silva Tenho nome, amiga São Paulo (SP)
2º Fernando Luiz de Barros Bueno  A morte em capítulos    BH/MG.
3º Maurício Matos Cunha O mistério da xícara São Gonçalo (RJ)

A divulgação desta premiação também pode ser acessada em:
Agradecemos sua participação e parabenizamos pela conquista! Att.
Comissão Organizadora do 9º Concurso Literário Celso Sperança
SECESP & Biblioteca Pública Municipal Sandálio dos Santos


TENHO NOME, AMIGA!...                                            
“- Pronto, chegamos,  amiga!... essa porta, minha amiga...a fechadura emperrada faz tempo, o dono nem aí, eu que me vire, não é?... Pois aprendi  um jeitinho que só eu sei, amiga: inclino o joelho e forço pra dentro, depois empurro o batente com a mão... Agora é só rodar a chave, viu?...... Entre, amiga, entre!...Não bote reparo nessa desarrumação, tempo não tive ainda, o que vivi nesses dias, amiga, você nem imagina...Sou assim, de falar muito,  também, né,  acostumada que  eu era no atendimento dos clientes no  Supermercado, quanto tempo, não é? Olha eu aqui indicando o sofá, acha que precisa?  Pois fique sem cerimônia, a casa é sua...já entrou, agora fique à vontade... Eu nem precisava dizer, mas vou dizer...   Juro que não me demoro, é só o tempo de mudar a roupa, retocar o batonzinho e a maquiagem... ah! amiga, disseram que chegando até as onze na balada,  a boca é livre, mulher é de graça,  pois  assim é que não vou me demorar mesmo, não é?!...
Sou dessas não, amiga, ... rapariga que se desfrute, eu? Sou não!...Sou nada!... O cara se lambuzar do  mel e depois sumir, sou é? Sou nada.  Essas minhas coxas roliças,  arredondadinhas, sei que tenho esses minhonzinhos folgando na sainha, os seios explodindo, os lábios carnudos, esses que tenho – pois não é que os caras pensam que eu só quero beijo, agarração e...  Sou é carinhosa, amiga, uma mulherzinha que seja, dessas bronzeada, escultural, mas sensível,  carente, amiga. Então,  lá quero ser avião na língua maldosa dessa gente? Quero nada!...  No fundo, no fundo, amiga, quero um ninho, não é?!... E quem não quer, me diga?!... Tenho nome, amiga, nome e sobrenome,  tenho ou não tenho?    E sou lá de ter medo da língua de alguém, sou? 
Pois como eu lhe disse antes, amiga, ,  a moça do jornal, a jornalista,   prometeu   que eu ficasse descansada, jurou  que o jornal contaria a tragédia sem revelar o SANTO, mas do DIABO, esse, eles tirariam a roupa.   Jornalista que era, a zinha afirmou que faria tudo pra acabar de vez com essa... essa falta de segurança nos bairros da periferia – pois foi com essas letras, o que disse.   E continuou, amiga: um absurdo essa violência que anda solta nas ruas, onde já se viu, ela disse.  E disse mais: o Brasil de hoje está precisando de mais coragem do povo...gente pra denunciar o mal, castigar os maus.  Separar o que  é joio e o que é o  trigo. Assim ela fala.va.  E  a zinha, minha amiga,  ainda me confessou que era defensora das mulheres, principalmente das mulheres,  pois não admitia nunca um crime assim, chamou de crime o que sofri, amiga!...Crime hediondo!... fiquei sem entender na hora, mas ela explicou tudo. 

Penalizou comigo, eu acho,  que eu corria o risco de alguma  doença, sabe se lá!... é, amiga, até em AIDS ela falou. E disse mais:  tem doença que a pessoa não sente nada, mas  pode ficar dentro da gente  por muito tempo. E sabe o que mais, amiga:  quando sai, traz  complicações, a pessoa pode ficar cega, paralítica, com problemas na cabeça ou no coração... e o pior, pode morrer! ....Sífilis, me disse! Ai, amiga, nem te conto, uma ferida que aparece depois de duas ou três semanas. Tremo, amiga, só de falar neste nome: SÍFILIS!...
Diga, minha amiga,  não tenho razão de ficar assim? Força é que eu não tive tanta naquela hora. Tivesse, eu  estendia aquele praga no matagal. Mortinho, se pudesse!... Homem morto não estupra, amiga.   Um homem que até me pareceu apessoado e bem feito de corpo, minha amiga. Foi o que pude ver no relance daquela  noite sem lua.  Um breu, o escuro. Forte, o tipo. Alto feito galã de novela. Me vi só,  no caminho até o ponto do ônibus.  Escondido que estava,  não vi mais nadinha.  Surgiu assim-assim, como um   relâmpago. Num repente, um trovão.  Uma explosão. Uma  trovoada  que me derrubou ali mesmo. Escureceu tudo quando espatifei no chão!.... Ainda hoje me dói o tapa que levei, minha amiga. Tanta força, aquela mão cheia de dedos. Caí estatelada,  de  corpo inteiro,  com o bofetão no rosto.  Eu feito um bicho do mato, arrastadinha pelos cabelos. Vapt e Vupt! o excomungado me arrancando  saia e blusinha num instante. Vapt e Vupt!... Da calcinha fez tiras. Da blusa,  se quiser, te mostro, amiga, fez um trapo só!   Ainda me lembro com ódio, amiga. Se ódio matasse!...Ainda trago as dores do que eu sofri, amiga, não há perdão. Rancor e fúria, o que eu tenho aqui dentro do peito.  Um dia, amiga, um dia desses, quem sabe  comprar uma arma, sei lá, sei lá, fico aqui pensando... Jogar dentro da bolsinha e ficar ali na moita, esperta, concentrada,  babando o ódio, só no aguardo, só esperando a hora da onça beber água, aí, ó:   Xis’Tó!... Um tiro só e basta. Um furo no meio da testa que é pra varar os miolos daquele demônio.  Depois, Xis’Tó-Tó!... dois , três, quatro, cinco... descarrego a arma todinha,  e estatelo o filha da puta ali mesmo,  o doente, o falso, o perturbado da mente...  e deixo lá pra feder o corpo. Se olho, amiga, já vejo os urubus no ar, as moscas em rodamoinho,  e as saúvas  na boca, arrancando a carne, dançando em meio ao sangue podre daquele  desmiolado!...  Eu, ali, amiga, me debatendo até perder as forças. Eu, ali, amiga, quase  morta, já sem voz, desfalecida, desprotegida de tudo, e  ele... e ele...

Ah! amiga, queira Deus nunca mais eu encontre o frustrado, o infeliz, o desgraçado  que me desmoronou, me pôs em naufrágio,  me virou e revirou do avesso. Engulo seco só de pensar, te juro, amiga!  Duas noites sem dormir. Três só de susto.  Tanta mulher querendo  amor nessa vida e vem esse desaforado, fugido do manicômio, ou do inferno, do sei lá de onde... sujeito  mais deseducado, o covarde,  o puto, o filha da mãe!...
Não valendo o tiro, minha amiga, não valendo os tiros,  apelo pra amarração das grossas. Mando preparar   reza brava. Onde estiver, o sem-juízo há de sentir a força das orações...   há de lhe doer por dentro até  a alma. Quero  pra ele uma vida no vício maldito e na doença, é o que eu lhe desejo. Uma  ferida cancerosa que lhe apodreça o sexo, amiga, um mal sem cura que lhe dê feições purulentas da cabeça aos pés...  Vou na cartomante,  no tarô ou nos búzios. Quero o pior dos feitiços, a pura maldade, minha amiga!... A vida inteira, quero o medonho e peçonhento no desemprego.   O tempo que lhe resta seja na eterna bancarrota, amiga. Uma grande destruição, amiga.  Ferida só, o pus escorrendo, chaga pura, tuberculose mortal e lepra pelo corpo... e mais ainda, amiga:  feitiçaria amarrada e assinada  que é pro  depravado descobrir quem mandou fazer. Há de chegar o dia que ele vem comer aqui na  minha mão, aí.... deixo o infame morrer!...  Um trabalho maligno, sujo,  coisa de demo,  o coisa-ruim passando recado pras  mãos poderosas,  conhecedora de espíritos, só pra ver o depauperado choramingando em desespero e dor, amiga.  Ele,  o doido,  sem paz nenhuma;  ele, o ratuino, sem um amor sequer nessa vida. Sem saber de felicidade alguma. Só a traição eu  lhe desejo... a traição e  a morte lenta, cruel e agonizante!
Gostou amiga, gostou?  Aposto que foi das cores, não foi?...O vermelho vivo, brilhante!... Pois foi um presente que me dei, amiga.  Sutiã e calcinha num precinho que não tem igual. A vendedora até  me elogiou o gosto. Sinceridade? me disse assim, a vendedora:  combina com a sua  pele, garantiu!  Não liga que sou assim, amiga. Vou e volto. E falo, falo, falo... Também pudera, amiga, as outras meninas,  acho que nem ligaram. Mas, eu não sou elas, falei pra repórter.  Quero o diabo recluso. Entre grades. Que a justiça seja feita.  Tenho nome, insisti.  Não sou a  Mariana, aquele filezinho, aquela dondoquinha do bairro,  ainda por cima  menor, 15 ou 16, quando muito. E não dava mole? Vivia pra cima e pra baixo, amiga,  com aquela  minissaia que mostrava até o lusco-fusco,  quem não via, quem não via, quem?  Pergunte aí!...   Lindalva era a loirinha da rua de cima, não a baixinha, tem uma baixinha lá. A alta, a  posuda.  Essa eu conheci muito bem, amiga.  Uma sonsa que só! Sonsinha, a desajeitada.  Freira  de convento, que só vendo!... Sabe, beata de igreja, sabe, amiga? Pois é, vivia coberta da cabeça aos pés. Decote? Nenhum, nenhum! Perna de fora? Nã-nã-ni-nã-não, nada disso. Essa  Lindalva,  não sei não, ponho a mão no fogo por ela? Ponho?  Eu, é!... Eu é que não!... E a Selminha? Aquela, pobre era pouco.  Amontoada com doze irmãos naquele barraco à beira de um esgoto a céu aberto. Chego a ter pena da coitada!. Como sofria...Tinha corpo, só corpo, aparência, sabe. Analfabeta de pai e mãe. Nem lia nem escrevia, a pasma! Caiu num conto-do-vigário por dois reais. Apanhou que só,  a inocente!... Mas eu, o que sou, não sou eu?... Tenho nome e tutano,  maior de vinte e um, beirando vinte e dois!
Pois a Jornalista aí mesma sentou, minha amiga. Também os braços apoiados como os teus. Não carecia pena, falei. Sou mulher de enfrentar os perigos dessa vida. Sorriu explicativa: soubera do acontecido na décima oitava. Se menor eu fosse,  não colocaria o nome, só as letras da abreviação.  Ordem do juizado, me disse.  Quis ver a minha certidão.  Na certa eu lhe mentia, pensou!...  Pois, olhe agora aqui no jornal. ...Não foi o que te disse?... Juro  que não me conformo. Repare você mesma, amiga,  e me diga:  Menor N.B.S. eu é que não sou,  sou?  Sou nada!  Quero a correção, o meu nome estampado com todas as letras.  Afinal, quem provou do veneno, ela ou eu? Não me perdôo, amiga, pois  a danadinha da repórter gravou todos os “as” e os “nés” que falo. Repeti letra por  letra no gravador da linguaruda:  “Nildete Aparecida Capuano, N.A.C. as minhas letras maiúsculas, eu disse! ...Pois, agora, aqui está, falsa e mentirosa, a notícia!... Menor N.B.S, sou eu? Sou?... Sou nada!... Sou maior e vacinada, sou ou não sou? Maldosa, o que foi.  Aqui está,  olhe você mesma, minha amiga, a manchete traiçoeira: “MENOR N.B.S. ESTUPRADA” - Essa sou eu? Sou? Eu é que não sou, sou?..

Ai, amiga, não me sai da cabeça que posso estar contaminada. Pior, amiga, e se carrego já um filho do demônio? Parece, amiga, que tudo isso vinha na minha cabeça, naquela hora, por isso gritei, gritei alto, gritei muito, o mais que pude, não sei onde achei tanta força em mim, um  grito que me veio das entranhas  até que o bandido me destapasse a boca e fugisse. Eu de barriga, faço aborto, tenho direitos. Mas e o filho, amiga, filho criado no ventre,  é filho, é ou não é?... SÍFILIS,  amiga, tremo  só de lembrar. Se me acontece, passo pra ele também esse drama, amiga!

Exagerei, amiga? Exagerei, não foi?  É que  estou assim fula da vida,   ai que ódio!...Também  reparou nas minhas mãos, não é?... O esmalte das unhas, lembra? o teu presente!... Lembra da festa que fomos naquele dia, amiga, lembra?... Bebi tanto, menina. Lembra o que bebi?... Vodka pura, menina.  E a cara do João?.... Ai, minha amiga,  cobras e lagartos engoli. Um sabão, ele me passou! Prontinho, amiga, e então, estou bonita?  Te confesso, amiga: adoro batom vermelho. Batom vermelho, um lencinho e o decote do vestido.... Vamos,  amiga, vamos!...   Vamos bem juntinhas, que traz perigo a noite nessas bandas!...”

Xis-Tó-Tó – Adaptado  de X’Totó (onomatopéia para explosão de foguetes/ Guimarães Rosa) -  In:  O léxico de Guimarães Rosa, de Nilce Sant’Anna Martins.


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