segunda-feira, 24 de junho de 2019

A INQUIETUDE INTIMA DAS OSTRAS - Livro Poesias - Ed.autor

POESIAS
A Inquietude Intima das Ostras 
Edição  LivroRápido 2018 






Seguem algumas poesias.  abs.


ENSAIO PARA NAVEGAR MARES

Ponha a mão na consciência... Pare e pense!...
Tudo tem uma semelhança, quando anda, avança
e reflete o  que te convence...
Seja um mero acidente ou pura coincidência,
tudo tem a sua vertente  no limite da paciência!...
Ponha a mão na consciência... Pare e pense!...
Alcançar o melhor de si  na espraiada da inocência
ou seguir errante e a esmo nos mares de si mesmo?!...
Muitos podem navegar um  rio, mas não há braços
que naveguem o  nosso imenso vazio!...
Ponha a mão na consciência... Pare e pense!...
O que  nos impele à vida,  ao desafio
de alcançar o inatingível ou a outra margem do rio... 
A  coragem que desata ou o excesso de calafrio?
Ponha a mão na consciência... Pare e pense!...
Entre o além do quero e o  aquém do que faço,
há  um desejo segue agarrado aos meus passos 
como um salto no precipício ou um  voo  no espaço!...
Ponha a mão na consciência... Pare e pense!
Pra seguir sobre um  mar movediço
 ou ir  além das  evidências,
apenas uma  resposta breve,  nos convence: 

Será que  vences?!...  Será que vences?!...



SAPATOS

Os meus sapatos  testemunham os meus atos,
sem qualquer quê de paixão ou  de encanto,
jogados aos pés da cama, inocentes ou castos,
ambos me querem  cúmplices em qualquer canto.

Não. Meus sapatos nunca  abrem o bico:
Mantêm-se grudados como lábios em beijo;
e quietos, lacrimosos, reticentes ou pudicos,
seguem-me,  arrastando e carregando o  peso...

Mais que o corpo, suportam uma temeridade:
os meus sapatos buscam o sentido da alma,
experimentam o desespero, a paixão e a calma...

Engolem sapos, os meus sapatos, ou na voracidade,
suga-lhes o licor, o fel  e o veneno que tanto  acalma
o obstinado senso de utilidade que  a  vida espalma.




 JOGO DE DADOS (Falácia)


Pra te querer contente
perderam-se muitos ventres.

Pra te sentirmos vivo,
fizemos índices e probabilidades.

Pra te aceitarmos criança
multiplicamos-te aos milhares...

Pra te percebermos gente,
criamos distantes adjetivos
te revelando forte, adulto,
carente...

Pra te falarmos da vida
fabricamos os códigos,
a conduta  e o rabo-preso.

Mas a imagem, língua sem travas,
te realiza belo pra nos atentar!...


CLASSIFICADO PÉ-DE-PÁGINA.


Reclamem Zé Pedro, por mim, suplico!
Nome de batismo: José Pedro da Silva.
Há de haver esse crédito, afirmo.
Gritem nas ruas, nas roças, nas praças, anunciem no alto-falante...
Acessem a internet, se preciso;  liguem os centros, países, vielas,
todos os bairros: Zé Pedro!

O menino de calças-curtas, botinas enlameadas e camisa xadrez...
Um rosto sereno - redemoinho no cabelo-  e os olhos no futuro.

Há de estar por aí, asseguro!
Zé Pedro. Desaparecido na quarta série primária. 
A voz envergonhada camuflando todos os sonhos...
Trabalho, coragem, luta e uma dor indecifrável serão pistas.
Não há bilhetes, porque essa gente não manda, faz!

Reclamem Zé Pedro!
Olhem arquivos, armários, fichas escolares... Confiram a letra,
uma caligrafia inconfundível, as inclinações...
Afinal, o que é a vida?  
Grafoscopia, linha das mãos, destino ou ironia?

Revirem tudo, decifrem hierógrafos, se preciso.
Visitem a bíblia, usem o DNA, ou seja lá o que for!
Procurem Zé Pedro.
Suplico um  pensamento positivo, façam corrente até.
Não há dúvidas, é dívida: 
Precisamos desse patrimônio vivo!

Mestres, perdoem-me  se insisto,  puxem pela memória.
O primeiro da fila - tímido, matuto, uniforme azul e cinto...
Um sorriso meio ingênuo, um gesto meio adulto...
Reclamem Zé Pedro!

Ah! Se visssem, ouvissem e soubessem
como  ele rezava o beabá dos animais e a ciência das plantações:
(os rios, o sol, a lua, as estrelas e a chuva!)
Reclamem Zé Pedro!
Menino, criança, jovem... 
o Homem,  onde ele estiver que me ouça:
Receio a história, todas as histórias,
 sem o justo e verdadeiro herói!


O BORBULHO DAS ÁGUAS



Fatiar a água
e servi-la aos pedaços...
Agarrar o tempo sob os braços e adulá-lo, tão eternecido 
como se afagasse um filho ao som de um estribilho de ninar...

Fatiar a água
e servi-la em porções...
Celebrar o instante  em banho-maria:
reservar no mais sublime dos corações,  
o calor  de dois corpos que se atraem
em frenética paixão...

Fatiar a água
e torná-la hóstia...
E então ser capaz da pura calma
ao comer o próprio corpo
e sorver-lhe a primazia da alma:
enxergar a revelação do fugaz,
a transitoriedade da vida,
o frágil e a sensibilidade
em seu ápice de concretude.

Fatiar a água
e assentá-la, ainda incandescente,
por entre as labaredas do fogo.
Dominar na fervura, os desejos do corpo:  
traduzir  em gestos nus e frementes, 
o âmago da ansiedade candente.

Fatiar a água
e conduzi-la em carruagens-origami
pelas galáxias infindáveis  do universo...  Tocar na razão de todas as formas de vida
e  traduzi-la  sem meias palavras:
trincar o passado...ruir o presente...
e reinventar o Avatar do novo futuro.

Fatiar a água
e  esculpi-la como um barco-navegante 
aos  mares de si mesmo:
rumo à terra dos homens dignos,
à espraiada da inocência e  compreensão, 
rumo ao país de todos os amores!...





O DIA SUBSTANTIVO


 Um dia substantivo 
que me  atravesse  sem medo
pelos caminhos de um campo minado... ou me silencie  da iminente  explosão.   Um dia que me cegue, no ato, a  poeira do chão.
Um dia substantivo, sem alarde,
acenando gestos  à  eternidade,
antes que seja tarde!... 

Um dia substantivo
que me arraste à  beira do abismo,
ou me atire às profundezas abissais.
Um dia que ignore nas  minhas palavras vãs, 
a sanha, a  súplica e o desespero...
Um dia substantivo, sem alarde,  
como  as horas mortas da tarde, 
antes que seja tarde!...

Um dia substantivo
que me leve em silêncio puro
ao rufar esfuziante das ondas do mar. 
Um dia que me afogue o corpo e a alma
entre o oceano e a linha do horizonte. 
Um dia substantivo, sem alarde,  
suplicando-me que a vida aguarde,  
antes que seja tarde!...

Um dia substantivo
que me traga um grito torto, reto e líquido, 
dissipado  num  gesto sem exclamação... 
Um dia que me deixe mudo nos becos e esquinas,
entre o espanto e  a cópia xerox.
Um dia substantivo, sem alarde,
queimando-me o fogo que  arde,
antes que seja tarde!...

Um dia substantivo
que me interrompa a claridade inútil
e me dispense  o azul e a escuridão...
Um dia que me arraste à luz total, 
ao brilho  lúcido da transparência no espaço. 
Um dia substantivo, sem alarde,  
sentindo o que dentro e fora me invade,
antes que seja tarde!...

Um dia substantivo
que  me leve vertiginosamente ao fim,   
sobre as  escadas espiraladas em torno de mim...
Um dia que me acene com um mergulho sem volta,
 ou  a iminente  queda de um precipício à minha volta.
O dia substantivo, sem alarde,
o dia concreto, abstrato, antes que tarde,  
antes que seja tarde!..


MENSAGEM  INTERGALÁCTICA


Ando à míngua... 
trago comigo todas as  línguas-mortas
na ponta da minha língua.

Uma outra linguagem, o que sou: surda-muda!...

Ando à míngua...
à espera de um aceno no reino do universo,
e então serei farto em prosa e verso:

Hei de me saciar a pleno pulmões,
e não há de estuporar essa íngua,
pois recusarei o banquete de Pélope
e  não viverei o suplício de Tântalo*...

Nunca mais a fome, nunca mais a sede...
Seguirei ímpar, multilíngüe, como sei, como sou...
Um incansável decifrador de hierógrafos,
Uma nave-mãe levando  o meu  epitáfio para o futuro:
“Saudações, a quem quer que seja.
Trago boa vontade e paz através do espaço”**

(*) Tântalo, filho de Zeus, casado com Dione, teve três filhos.  Ousando testar  os deuses, serviu-lhes a carne do próprio filho Pélope. Lançado ao Tártaro, num vale com abundante vegetação e água,  foi castigado  a não poder saciar sua fome nem a sede.(Mitologia grega).  
(**) Paráfrase à mensagem da Missão Espacial Européia em pesquisa sobre a origem do sistema solar, a vida na terra e a provável existência de vida  em outros planetas.
12-EU,  MANEQUIM

Carrego em mim, um Manequim,  
tal qual sou:  assim, assim, assim...
Nele, sigo sempre  à procura de mim,
desejando o início, o meio e o fim.

Quando em mim surge um não, nele,
no Manequim,  aflora e emerge um sim...
Então, seguirei  nesse  paradoxo até o fim?
Não sei, entretanto, sigo contínuo, afim..,

Molda-me à sua semelhança,  o Manequim
ou moldo-o à imagem em torno de  mim?
Sendo ele, tenho  ganhos e ganhos, outrossim,
sendo eu, padece ele, a escultura de mim.

Por vezes, penso e digo: “cuidado”; enfim,
há manequins,  e dentre eles, os Querubins...
e neste caso, não respondo nada por mim:
aos Anjos, Arcanjos e Serafins,  digo sim.

Serve-me, então, o Manequim? Temo que sim.
Um homem há de ter sempre o seu duplo, por fim,
será ele,  e não eu, a própria redenção de mim.

Afirmo e reafirmo: seguirei com ele até o fim...
Assim, sei que não farei nenhuma falta a mim:
o que não fui, não sou e quero, dou-me ao Manequim!...



......

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