ACADEMIA FEMININA MINEIRA DE LETRAS - AFEMIL
CONCURSO ADÉLIA PRADO - Resultado.
CONTO
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1º LUGAR
TÍTULO: Retirantes
PSEUDÔNIMO: Amélia Greier
NOME: Carolina Cunha Pereira Frutuozo
CIDADE/ESTADO: São Carlos/SP
2º LUGAR
TÍTULO: Sob a Sombra do Querer
PSEUDÔNIMO: Aedo dos Féaces
NOME: João Lisboa Cotta
CIDADE/ESTADO: Ponte Nova/MG
3º LUGAR
TÍTULO: Duelo Sobre a Mesa
PSEUDÔNIMO: Mr. Olímpico
NOME: Celso Antônio Lopes da
Silva
CIDADE/ESTADO: SP/SP
MENÇÃO HONROSA
TÍTULO: Três Marias
PSEUDÔNIMO: Maria Terra
NOME: Geny Teodoro de Assis
CIDADE/ESTADO: RJ/RJ
TÍTULO: Maria Bethânia
PSEUDÔNIMO: Luz Fernandez
NOME: Hermínia Emilia Prieto Martinez
CIDADE/ESTADO: Viçosa/MG
TÍTULO: Segredos no Armário
PSEUDÔNIMO: Santo Xavier
NOME: Luiz Carlos Giraçol Cichetto
CIDADE/ESTADO: Araraquara/SP
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Leia o conto de Celso Lopes
DUELO SOBRE A MESA -
Um dos peritos, impressionado
pelo fulgor do embate, chegou a citar, textualmente, “o
caótico rio de pedras”, narrado pelo
escritor Umberto Eco*. E não sem razão;
há de se acreditar, insistia o perito, que
no auge desse enfrentamento imperioso, o interior de ambos seguia em contínua
ebulição, certamente, revelando uma torrente furiosa, tal qual uma “correnteza
de grandes rochas informes, placas irregulares, cortantes como lâminas, amplas
como pedras tumulares (...). Aos olhos do perito, fora assim o duelo entre Dona Branca e o Professor Pio. Quem os
conheceu no dia a dia informava que as
desavenças entre ambos, não raro, surgiam
após um silêncio profundo; nessas
horas o ar ficava pesado e fazia brotar, às claras, um rancor íntimo desencavado.
Foram encontrados, ali, sentados frente a frente na mesa da sala; cada qual em
seu canto com a cabeça curvada e apoiada
sobre o braço; o olhar de cada um deles parecia, certeiramente, dirigido ao outro. Lá estavam, inertes, até a descoberta. Cansado de ligar
para os pais, o filho informou ao Zelador do prédio, e este, pressentindo algo estranho, levou o caso à
polícia, que, instantes depois, solicitou a abertura da porta e posterior autópsia no local. O casal vivia há
muitos anos naquele prédio do bairro. Ela, uma antiga professora de história;
ele, ex-chefe de laboratório de biologia
da faculdade, onde se conheceram ainda bem jovens. A perícia técnica apresentou anotações, laudos,
infográficos e fotos, destacando um
considerável número de Palavras Cruzadas abertas; um Volume sisudo de cor marrom; dois Dicionários que, pelas digitais, disseram, o Caldas Aulete seria o da Mulher, e o Aurélio, o do Homem. Os corpos, nesse, digamos “repouso”, segundo o legista, datavam de pelo
menos 24 horas, o que indicaria o “embate’ no dia anterior. A perícia indicou que
as sandálias da Mulher deixaram rastros. Observou-se que teria se deslocado até à cozinha, onde
tomara café na térmica; depois, deteve-se
na estante da sala, de onde retirou o Volume marrom, que destacava na
página interna, em letras grandes: “Instrumentos
de Guerra da Antiguidade”. A perícia disse que se tratava de
estratégias dos antigos exércitos, como o “Apito da morte”, descrito, ali, como “um objeto sonoro criado pelos Astecas, que simulava estridentes
gritos de pessoas em sofrimento, induzindo os adversários a um estado de
transe desesperador.” Apanhado o
livro, Dona Branca se dirigira
à mesa do embate. Então, ali, o
duelo teve início para ambos. Cada qual
com os seus compêndios de Cruzadas. Segundo os peritos, era quase possível
“ver” a agilidade da Mulher no desafio das verticais e horizontais, sem dar
tréguas ao adversário; os registros
indicaram ainda, que, num determinado instante, os olhos da Mulher foram ao encontro dos olhos do Homem. O abalo causado por esse olhar, disseram os
peritos, fragilizara o oponente. Nesse ponto, o laudo alertava sobre dois
nomes anotados no rodapé de uma das
Cruzadas. O primeiro, a palavra “buquê de flores”... o segundo, o nome: “senhorita
Rose”. O perito assinala que poderia
ter havido, ali, indícios de um triângulo amoroso. Ou uma falta grave e
imperdoável do Homem, pois a data
indicava o aniversário de Dona Branca. Na praça de guerra, o espalhamento das revistas indicava que a
estratégia do Homem fora rápida e mantinha
rigorosa atenção nas armas de combate. Ao Homem, sobravam-lhe publicações relativas a filmes, teatro, música, biologia
e textos sobre armas químicas.
Novamente, “pressentia-se” a voz da Mulher explosiva no território da disputa. Podia se ler com
clareza uma das perguntas: “Animal
mitológico associado à virgindade, tem a
forma de um cavalo com um único chifre frontal?”. Bingo.
“Unicórnio”. Assim assinalara a Mulher. Ao Homem,
restava-lhe o sofrimento diante de
uma pergunta quase sussurrada: “- O
nome de uma das sete maravilhas do mundo antigo?”. Segundo os
peritos, os sinais mostravam, vivamente, que o professor Pio estancara-se com a caneta no ar; sentia, naquele
embate infernal, a Mulher apontando-lhe as
armas de Guerra. Aquelas tamanhas e poderosas, como a Catapulta, arma de
ataque capaz de quebrar barreiras dos homens, especialmente, os
encastelados e protegidos em cidades muradas. Haveria de destruí-lo, caso ele persistisse.
Lançaria sobre seu adversário as mais potentes armas, que haveriam de liquidá-lo com pedras e pedregulhos sobre o palácio. Recuasse, portanto, ou então,
receberia o golpe mortal: haveria de lhe atirar a maldição das esposas incompreendidas!... Para os peritos, a mente do Homem dirigira-o para a área química. Ou ele a superaria ou
haveria de viver a maldição das
esposas abandonadas. O Homem sussurrava,
exalando suor frio. Ele sentira o baque. Doeu-lhe a força desse punho gigante
da Mulher à sua frente. Por isso,
olhava, agora, de dentro do seu próprio silêncio, para dona Branca, enquanto
lançava mão do seu Aurélio:
O nome de uma das sete maravilhas do mundo antigo!... No entanto, as tentativas se mostraram infrutíferas e o silêncio fora
quebrado, apenas, pela retórica ascendente da Mulher.
“ - o Santo Graal também é chamado de.....?”. Neste ponto, os peritos adicionaram ao laudo: “ na
sala avolumada de silêncio, podia ser
percebido os contornos grandiosos dos olhos
do Homem e da Mulher, como
fossem eles, Dona Branca e o Professor Pio,
os guerreiros autênticos das antigas Cruzadas, os soldados de Cristo.”. Então, enquanto a Mulher já se debruçava
nos desafios mais difíceis da sua
Coquetel Super, um certo
vazio se instalava no ambiente.
Agora, agora as horizontais da Passatempo do Homem pediam ajuda aos deuses da sabedoria: “ - Trepadeira
comum em muros - com quatro
letras? - A flor da idade, no sentido figurado -
com nove letras?”... Enquanto o Homem entendia a
necessidade urgente dessas
respostas, ela, a Mulher,
garantem os peritos, ganhava distância a
olhos vistos. As palavras cruzadas exigem mais que uma brincadeira, ironizava em seu silêncio,
como se mostrasse a ele, ao Homem, que
as Cruzadas não brincam. Então, a Mulher
preparou-lhe um olhar fulminante, repetindo o
que em sua mente captara há tempos: “Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto, lutamos
mal rompe a manhã(**)”. E pelo poder dessas palavras ditas, prosseguiu enfatizando
acusações, ironias e desatenção constante... Eis que, então, sob suas mãos, as palavras ganharam formas definidas de ataque: primeiro
as pontiagudas, depois as cortantes,
e por fim, as explosivas... E assim, a
Mulher lançara, inapelavelmente, sobre Homem, os seus escudos especiais. Ao
Homem, restava-lhe manter a
distância adequada para não ser ferido de morte. Mas para sua festa surgiram os
filmes, teatro, música, artistas e afins. O Homem sorriu largo, pois, se sentia novamente no páreo; E assim
seguiu ele, devorando com gulodice as suas anotações: - Em
que cidade nasceu Yusuf Islam (
conhecido como Cat Stevans?) - Qual
série de TV tinha como protagonista o Ator Peter Falk? ... Como
previsto, o Homem avançou
três compêndios e cinco páginas. Mas, ainda era pouco. Entretanto, com o rabo-dos-olhos ele percebeu que a incomodara. A Mulher, ali, embatucara-se diante dos símbolos químicos do Enxofre, Lítio, Bário,
Cobalto, Cádmio, Carbono, Cobre.... Ele
ouviu, sim, a ênfase retórica, insistente, carregada de
nervosismo: - Enxofre?....
Lítio?...A mente não lhe faltaria nessa hora – garantiu. A toxicidade das substâncias químicas dançava à sua frente,
como um gás mostarda, cloro,
ácido cianídrico... mas ele,
ali, definira-se pelo Napalm - O gel pegajoso e incendiário que
haveria de atacá-la aos moldes
idênticos do seu uso nas guerras trágicas do
Vietnã, Laos e Camboja... A Mulher tremeu ao se deparar com essa arma
incendiária... Mas o Homem jogou a toalha. Confessara a si mesmo. Não viveria a
dor do engenheiro Jeff O. Stanford – Chefe do Laboratório Químico dos
USA, responsável pela preparação e envio
do Napalm às frentes americanas, que
experimentara o grito antibélico do
mundo na própria pele; e culpando a si mesmo pelo
genocídio, suicidara. Diante dessa derrocada, novamente a
Mulher ganharia a dianteira: - Península
que abriga a Grécia e a Croácia? - Nome
de Deuses da Mitologia Grega? ...E,
então, decidida a trucidá-lo, sem perdão, tomou para si as armas decisivas. Com destreza e maestria, Dona Branca
apossara-se dos Estrepes e Culverins; segundo os peritos, “armas
medievais atiradas contra a cavalaria inimiga”. Desviando desse campo
minado, o Homem seguia titubeando nas garras
do abecedário: - Substância encontrada em vegetais, de grande
importância para o funcionamento do
intestino?. Os passos seguintes
formariam a barreira implacável. O Homem sofria a cada pergunta que preferia não ouvir:
- O maior império do mundo (em duração)? - Rei
pagão denominado pelos judeus como o Messias?... As muralhas e
fortificações, postas ao chão naquela
guerra, levaram-no à rendição. O ar lhe
faltava – disseram os legistas. Portanto, ele se acomodara sobre a mesa, com a
cabeça inclinada no braço curvado, e o olhar, certeiramente, nas pupilas da
Mulher. E então, a Mulher, com sua respiração ofegante naquele
campo de batalha sangrenta, em que
vencera o homem encastelado, naquela
luta, silenciosamente inumana, reconhecera no
antagonista, conforme a perícia,
reconhecera nele, um guerreiro, alguém de valor e à
altura. O que a levara à rendição
definitiva. O ar lhe faltava – disseram
os exames. Portanto, também ela, Dona Branca,
acomodara-se na mesa com a cabeça inclinada sobre o braço curvado, e
o olhar, o olhar certeiramente dirigido
às retinas do professor Pio!... Para fortalecer a narrativa técnica, o perito
retomaria o “caótico rio de pedras”, criando,
aleatoriamente, o seu apoteótico final: “nenhuma
voz humana podia se fazer ouvir naquele instante fatal sobre o duelo na
mesa; embora ambos, ali, tivessem o desejo de falar, de se despedirem
de toda a carga de emoção que arrastavam consigo havia horas, não conseguiriam.
O ‘rio de pedras’ interior que os conduzia, enfurecia-se cada vez mais, levando
tudo ao redor para as invisíveis
vísceras da terra, pulverizando cascalhos, blocos e rochas para exprimir,
talvez, a impotência maior do Homem e da Mulher.”
Nota: (*) Umberto Eco – Confissões de um jovem romancista.
Ed. Record/2018.
(**) Versos do poema “O Lutador” – Carlos Drummond de
Andrade.