quinta-feira, 5 de setembro de 2019

A viagem - conto - menção honrosa Concurso Paulo Setubal 2019


Prezados(as) 
A Comissão do Concurso Paulo Setúbal encaminha a V. Sªs., anexo, o tabloide com os vencedores do Certame 2019. A Cerimônia de Entrega da Premiação foi realizada na sexta, 02 de agosto às 19h no Teatro Procópio Ferreira, onde foram apresentados todos os contemplados. Gostaríamos de cumprimentar a todos os participantes que permitiram o sucesso do Concurso Paulo Setúbal 2019.   Nesse link a divulgação realizada pelo site da Prefeitura de Tatuí, conforme previsto no edital. 
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Museu Histórico Paulo Setúbal
Praça Manoel Guedes, 98
CEP 18270-300 - Tatuí/SP
(15) 3251.4969
anexos
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PREFEITURA REALIZA PREMIAÇÃO DOS VENCEDORES DOS CONCURSOS PAULO SETÚBAL 2019
 Vencedores do "Concurso Paulo Setúbal" foram conhecidos na sexta, durante cerimônia de premiação no Teatro "Procópio Ferreira", do Conservatório de Tatuí.     O "17º Prêmio Literário Paulo Setúbal – Contos, Crônicas e Poesias", de abrangência nacional, bem como o "Prêmio Galardão", uma honraria recebida por Paulo Setúbal na Academia Brasileira de Letras, destinado única e exclusivamente a obras de autores nascidos ou residentes há dois anos, ou mais, no município de Tatuí, premiou os seguintes vencedores em cada categoria: - Conto: - 1º lugar, recebeu certificado, troféu e premiação no valor de R$ 2.000,00: Umero Card'Oso, de São José dos Campos/SP, com a obra "Lia de Itamaracá e o Circovolante". - 2º lugar, recebeu certificado, troféu e premiação no valor de R$ 1.000,00: Tatiana Alves Soares, do Rio de Janeiro/RJ, com a obra "Destino Ignorado". - 3º lugar, recebeu certificado, troféu e premiação no valor de R$ 500,00: Carlos Aparecido de Souza de Amorim, de São José dos Campos/SP, com a obra "Não Olhe para Trás". - Prêmio Galardão, recebeu certificado, troféu e premiação no valor de R$ 500,00: Alexandre Lopes da Silva, Aparecido de Oliveira Cardoso, de Tatuí/SP, com a obra "Bella Vista". - Menção Honrosa para Celso Lopes /SP, com a obra "A Viagem".    Leia o CONTO:

“A VIAGEM”



“ O próprio desejo é viagem, expatriação, saída do meu lugar.”
                                                   Francis Affergarn - Exotisme et altérité -  Paris/PUF/1987



Aquela madrugada fluía solta e movimentada no vilarejo.  Logo, o clarão anunciaria  mais uma daquelas  manhãs quentes de verão e o final de mais uma  noite. Entretanto  para Nirollez, o músico, o significado da palavra ‘fim’ era um reencontro;  uma forma de se penitenciar;  ‘fim’ era o seu próprio desafio para se livrar de um sentimento de culpa que carregara durante toda a sua existência, ao se apegar, desmedidamente, no bem que mais apreciava na vida:  a  música... a música clássica!... Por isso,  àquela hora,  assim como quem nos oferecesse um concerto ainda  sob a luz do  luar, Nirollez surgia com  o  som poderoso  do seu recente instrumento, o Sax MC VI, a jóia rara dos aficcionados,  e passara  a comandar  uma sinfonia sonora naquela pequena rua do arraial de pescadores. E o  que víamos e ouvíamos era algo inusitado e envolvente: pouco a pouco, conforme avançava, com passos lentos e firmes, Nirollez, o músico, conseguira a proeza de instalar o silêncio onde jamais imaginávamos, pois, ali,   diante de todos nós,  fizera  emergir e  reverberar uma sonoridade  tonitruante,  estupenda,  arrancada do seu mágico Saxofone.   A rua do vilarejo já dava mostras de que seria num futuro próximo, uma espécie de passarela aberta às mais diversas tribos e personalidades alternativas.  Uma rua cosmopolita, de turismo planetário, ou como se diz, hoje, no jargão local:  a Esquina do Mundo!...
E lá  estava Nirollez. A cada passo, em sua execução, nada, ali,  parecia cercear as intenções do  intérprete em seu contínuo movimento de seguir em frente. Nada, ali, a impedi-lo  no  provocante  uso que fazia  daquela brilhante  improvisação ao fazer a travessia daquela rua com seu poderoso Sax.  Nirollez, o músico,  entregava-nos tudo isso de mão beijada  num contínuo processo de criação  e recriação.  Os acordes instigantes, catárticos, mais pareciam gritar para que ouvíssemos a sua  história. Era o que Nirollez parecia nos dizer,  ali, desfilando à nossa frente.   E se o espírito do jazz está em pensá-lo  como uma linguagem, como  algo que nos lava a alma, e  nos leva à alma a sua origem, o que se ouvia no improviso do jazzista era a sua maneira de nos  conduzir,  de se expiar em culpas à frente daquele público... Era visto que tudo ali era urgente  Por isso, inevitável como a noite que surgia atropelando, Nirollez  seguia impregnando-nos  o seu ímpeto diante do belo e do prazer,  de  um jeito  único, como se ouvíssemos ali,  a voz  dissonante  de “Lester Young”, a nos dizer e a nos intimar:  “ Escutem, eis aqui a  minha história!... Ouçam!..Ouçam, todos!...”.  O sax  de  Nirolllez   ‘cantava’ com as  raízes do  próprio jazz,   com a  origem e influências, como se ali fosse ele, Nirollez, o talentoso e criativo “Charles Parker” arrastando-nos  de uma  forma inovadora, o que  tornava tudo aquilo para nós,  uma espécie de  ‘Nirollez/Parker’, dois  ícones da  beat generation!...Nem mesmo um olhar mais atento poderia indicar que  à nossa frente,  turistas pioneiros,  estava o maestro Nirollez, um homem acostumado ao reconhecimento do público em seu país, e não somente nos teatros locais como também nas principais casas da Europa; Algumas  evidências de seu desconforto com a música clássica surgiram em sua última récita, quando mal acabara de se curvar, agradecendo aos aplausos pela regência da sua ópera, “1984”, baseada no texto do escritor George Orwell,  e já deixava, apressadamente, sem dizer mais nada,  o pomposo teatro municipal portenho. Impossível não imaginar a situação que criara  ao seu empresário, à esposa, aos dois filhos, aos amigos, e principalmente,  ao seu  público seleto e fiel  que, inevitavelmente, sentiria, para sempre,  a sua ausência. Instantes  depois  dessa ‘performance’ colossal na capital Argentina,   Nirollez  já ocupava um lugar  à bordo de um ônibus da Pluma, em direção à cidade do  Rio de Janeiro, onde, ao chegar,  seguiria  de táxi até o aeroporto Santos Dumont,  para embarcar num vôo que  o levaria até  Ilhéus, na Bahia.  Da terra do escritor Jorge Amado, seguiria   para o vilarejo, seu destino final,  anexo à  cidade de Porto Seguro.
Por certo,  no vôo passara em retrospectiva a sua vida  e a sua história  de um dos  mais prestigiados maestros de todos os tempos. É certo que se mantivera avesso aos grandes festivais como Woodstock, Altamont, Monterey e outros,  em que  surgiram novos expoentes da musica mundial, como  Jimi Hendrix  e  Janis Joplin;  confessava-nos, naquela travessia,  que  ouvira, sim,  o refrão que todos sabiam existir em   Lucy in the sky with diamonds... e, claro, acompanhara  todas as intenções de alegoria ao LSD. E então, perguntaria  a si mesmo: por que acreditar nessa história jovem, nesse poder jovem?...    Mas fora diante dos movimentos políticos dos anos 60, em especial,  o “maio de 68” francês, que Nirollez balançara. Sim, entendia os protestos estudantis como reivindicações por um ensino melhor, entretanto,  vira o desencadear de uma greve geral  de dez milhões de pessoas...  Não, não era apenas o ‘é proibido proibir’, ou as palavras de ordens ‘queremos o impossível’...  Não, 68 apresentara-se como uma brecha na história, e fora capaz de  colocar em xeque a  sociedade que se pensara até então...  Nirollez entendera, sim, que o mundo reagira com uma grande recusa, em  que ‘os de cima não conseguiam mais  mandar, e os que estavam embaixo não queriam de forma alguma  obedecer’.. Sim, era o  ano de se  recusar a tudo.Um grito lancinante ecoava no  planeta.  Mas Nirollez também  vira  chegar o  “The dream is over”, o sonho daqueles jovens  chegara ao fim, carregando as utopias todas e  os  seus comandantes...  Vivenciando a travessia,   Nirollez   reiterava para si, o desafio de  romper de vez com tudo o que aprendera e ganhara como intérprete da música clássica mundial;  a ordem agora era livrar-se dos limites,  das notas,  dos horários e  das agendas...  Nirollez  elegera, portanto,  o jazz,  para lhe carregar a vida;  descobrira  que o sax impunha-se à  improvisação necessária, o nunca estivera presente em sua formação sisuda e acadêmica.  Nirolezz,  naquela madrugada,  rasgava todas as  partituras e harmonias... Agora, ali, no pequeno  vilarejo, dedicava a si  mesmo,   um  excesso de cuidados para não revelar  referências ao seu  passado.   Por vezes,  à beira-mar, via-se  com a areia nas mãos, como uma  interminável  ampulheta  que lhe mostrava o tempo e  a sua fluidez.  Foram dias ali,  até o momento em  que uma coragem  maior lhe sobrepôs de uma forma  jamais vista ou sentida... Como algo inevitável, a música pulsou-lhe novamente  nas veias, saltou-lhe aos poros e explodiu em sua mente.  Agora, ali, pela primeira vez,   olhara sem culpa o  sax MC VI, que jamais tocara,   e encarou-o  com algo necessário à  sua própria razão de viver;  o passo seguinte fora decisivo:  com as  mãos protegendo a chama  da brisa marinha,  Nirollez  faria  surgir as  labaredas que  pouco a pouco  engoliriam  todos  os  registros e  documentos do grande músico que fora. À beira-mar,  faria morrer,  burocraticamente,   o maestro  Nirollez,  e emergir o seu novo ser, um novo ser naquela terra  encantada.   Hoje, Nirollez colocava em prática a sua transgressão tardia, entretanto, sincera. Purificava-se da sua culpa, buscava, ali,  um reparação existencial,   pois mantivera-se à margem, fora impassível, fugira à luta quando escolhera todas as benesses do establishement... Pois agora, que lhe deixassem seguir, pagar o preço, sofrer o que lhe era imponderável...  Os  improvisos  do músico Nirollez, com  seu  sax  MC VI  já  ganhavam distância na travessia da rua;  deixavam  para traz o bar Chaparrals e as portas do  Manda-brasa,  de onde se desvendava a estradinha que seguia em direção à praia... Os improvisos do músico Nirollez  com o seu  sax MC VI  passaram a  comandar a sinfonia, não apenas de uma rua, mas de um caminho que nos levava,  a todos,  em direção ao mar... Nirollez seguia como quem cumprisse uma simples desarmonia vivida naquela madrugada ... Os seus pés,  pouco a pouco,  já tocavam a areia, atingindo lentamente o quebra-mar,  ainda  leve, calmo, raso, movediço... A sua  música rivalizava-se com o bramir das ondas, dimensionava à altura, como numa audição  em seu  ápice melódico, capaz de  expandir o espaço, a superfície e a profundidade... levando o jazzista a seguir improvisando acordes e timbres  em direção aos arrecifes, onde o clarão metálico  do seu sax, sob uma intensa luz do luar, ia indo, seguindo, avançando o horizonte até  onde a água  interpunha-se   à  vista da gente, até onde  um sexto sentido nos indicava que aquela noite engolira para sempre o maestro Nirollez... Até a gente sentir na própria pele  que o mar, o maestro e o MC VI,  em verdade,  uniram-se como uma  só coisa, num só corpo,  em uníssono!...


Nota:   “A Viagem” é uma narrativa ficcional.  “NIROLLEZ”   é um  anagrama imperfeito de ‘Lorin Maazel’ –  maestro norte-americano, estrela de primeira grandeza na música clássica, a quem  é dedicado este  conto.










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