Prezados(as)
A
Comissão do Concurso Paulo Setúbal encaminha a V. Sªs., anexo, o tabloide com
os vencedores do Certame 2019. A Cerimônia de Entrega da Premiação foi
realizada na sexta, 02 de agosto às 19h no Teatro Procópio Ferreira, onde foram
apresentados todos os contemplados. Gostaríamos
de cumprimentar a todos os participantes que permitiram o sucesso do Concurso
Paulo Setúbal 2019. Nesse link a
divulgação realizada pelo site da Prefeitura de Tatuí, conforme previsto no
edital.
--
Museu Histórico Paulo Setúbal
Praça Manoel Guedes, 98
CEP 18270-300 - Tatuí/SP
(15) 3251.4969
anexos
·
PREFEITURA
REALIZA PREMIAÇÃO DOS VENCEDORES DOS CONCURSOS PAULO SETÚBAL 2019
“A
VIAGEM”
E lá estava Nirollez. A cada passo, em sua
execução, nada, ali, parecia cercear as
intenções do intérprete em seu contínuo
movimento de seguir em frente. Nada, ali, a impedi-lo no
provocante uso que fazia daquela brilhante improvisação ao fazer a travessia daquela rua
com seu poderoso Sax. Nirollez, o músico, entregava-nos tudo isso de
mão beijada num contínuo processo de
criação e recriação. Os acordes instigantes, catárticos, mais pareciam
gritar para que ouvíssemos a sua
história. Era o que Nirollez parecia nos dizer, ali, desfilando à nossa frente. E se o
espírito do jazz está em pensá-lo como
uma linguagem, como algo que nos lava a
alma, e nos leva à alma a sua origem, o
que se ouvia no improviso do jazzista era a sua maneira de nos conduzir, de se expiar em culpas à frente daquele
público... Era visto que tudo ali era urgente
Por isso, inevitável como a noite que surgia atropelando, Nirollez seguia impregnando-nos o seu ímpeto diante do belo e do prazer, de um
jeito único, como se ouvíssemos
ali, a voz dissonante
de “Lester Young”, a nos dizer e a nos intimar: “ Escutem, eis aqui a minha história!... Ouçam!..Ouçam, todos!...”. O sax
de Nirolllez ‘cantava’ com as raízes do
próprio jazz, com a
origem e influências, como se ali fosse ele, Nirollez, o talentoso
e criativo “Charles Parker” arrastando-nos
de uma forma inovadora, o que tornava tudo aquilo para nós, uma espécie de ‘Nirollez/Parker’,
dois ícones da beat generation!...Nem mesmo um olhar
mais atento poderia indicar que à nossa
frente, turistas pioneiros, estava o maestro Nirollez, um homem
acostumado ao reconhecimento do público em seu país, e não somente nos teatros
locais como também nas principais casas da Europa; Algumas evidências de seu desconforto com a música
clássica surgiram em sua última récita, quando mal acabara de se curvar,
agradecendo aos aplausos pela regência da sua ópera, “1984”, baseada no
texto do escritor George Orwell, e já
deixava, apressadamente, sem dizer mais nada,
o pomposo teatro municipal portenho. Impossível não imaginar a situação
que criara ao seu empresário, à esposa,
aos dois filhos, aos amigos, e principalmente, ao seu
público seleto e fiel que, inevitavelmente,
sentiria, para sempre, a sua ausência. Instantes depois
dessa ‘performance’ colossal na capital Argentina, Nirollez
já ocupava um lugar à bordo
de um ônibus da Pluma, em direção à cidade do
Rio de Janeiro, onde, ao chegar,
seguiria de táxi até o aeroporto
Santos Dumont, para embarcar num vôo
que o levaria até Ilhéus, na Bahia. Da terra do escritor Jorge Amado, seguiria para o vilarejo, seu destino final, anexo à
cidade de Porto Seguro.
Por certo, no vôo passara em retrospectiva a sua vida e a sua história de um dos
mais prestigiados maestros de todos os tempos. É certo que se mantivera
avesso aos grandes festivais como Woodstock, Altamont, Monterey e
outros, em que surgiram novos expoentes da musica mundial,
como Jimi Hendrix e
Janis Joplin; confessava-nos,
naquela travessia, que ouvira, sim,
o refrão que todos sabiam existir em
Lucy in the sky with diamonds... e, claro, acompanhara todas as intenções de alegoria ao LSD. E então,
perguntaria a si mesmo: por que
acreditar nessa história jovem, nesse poder jovem?... Mas fora diante dos movimentos políticos
dos anos 60, em especial, o “maio de
68” francês, que Nirollez balançara. Sim, entendia os protestos estudantis
como reivindicações por um ensino melhor, entretanto, vira o desencadear de uma greve geral de dez milhões de pessoas... Não, não era apenas o ‘é proibido proibir’,
ou as palavras de ordens ‘queremos o impossível’... Não, 68 apresentara-se como uma brecha na
história, e fora capaz de colocar em
xeque a sociedade que se pensara até
então... Nirollez entendera, sim, que o
mundo reagira com uma grande recusa, em
que ‘os de cima não conseguiam mais
mandar, e os que estavam embaixo não queriam de forma alguma obedecer’.. Sim, era o ano de se
recusar a tudo.Um grito lancinante ecoava no planeta.
Mas Nirollez também vira chegar o
“The dream is over”, o sonho daqueles jovens chegara ao fim, carregando as utopias todas e
os
seus comandantes... Vivenciando a
travessia, Nirollez reiterava para si, o desafio de romper de vez com tudo o que aprendera e ganhara
como intérprete da música clássica mundial; a ordem agora era livrar-se dos limites, das notas, dos horários e das agendas... Nirollez elegera, portanto, o jazz, para lhe carregar a vida; descobrira
que o sax impunha-se à improvisação
necessária, o nunca estivera presente em sua formação sisuda e acadêmica. Nirolezz, naquela madrugada, rasgava todas as partituras e harmonias... Agora, ali, no pequeno vilarejo, dedicava a si mesmo,
um excesso de cuidados para não revelar referências ao seu passado.
Por vezes, à beira-mar, via-se com a areia nas mãos, como uma interminável
ampulheta que lhe mostrava o
tempo e a sua fluidez. Foram dias ali, até o momento em que uma coragem maior lhe sobrepôs de uma forma jamais vista ou sentida... Como algo
inevitável, a música pulsou-lhe novamente
nas veias, saltou-lhe aos poros e explodiu em sua mente. Agora, ali, pela primeira vez, olhara
sem culpa o sax MC VI, que jamais
tocara, e encarou-o com algo necessário à sua própria razão de viver; o passo seguinte fora decisivo: com as
mãos protegendo a chama da brisa
marinha, Nirollez faria
surgir as labaredas que pouco a pouco
engoliriam todos os
registros e documentos do grande
músico que fora. À beira-mar, faria
morrer, burocraticamente, o maestro
Nirollez, e emergir o seu
novo ser, um novo ser naquela terra
encantada. Hoje, Nirollez colocava
em prática a sua transgressão tardia, entretanto, sincera. Purificava-se da sua
culpa, buscava, ali, um reparação
existencial, pois mantivera-se à
margem, fora impassível, fugira à luta quando escolhera todas as benesses do establishement...
Pois agora, que lhe deixassem seguir, pagar o preço, sofrer o que lhe era
imponderável... Os improvisos
do músico Nirollez, com seu sax
MC VI já ganhavam distância na travessia da rua; deixavam
para traz o bar Chaparrals e as portas do Manda-brasa, de onde se desvendava a estradinha que
seguia em direção à praia... Os improvisos do músico Nirollez com o seu
sax MC VI passaram a comandar a sinfonia, não apenas de uma rua,
mas de um caminho que nos levava, a
todos, em direção ao mar... Nirollez seguia como quem cumprisse uma
simples desarmonia vivida naquela madrugada ... Os seus pés, pouco a pouco, já tocavam a areia, atingindo lentamente o
quebra-mar, ainda leve, calmo, raso, movediço... A sua música rivalizava-se com o bramir das ondas,
dimensionava à altura, como numa audição em seu
ápice melódico, capaz de expandir
o espaço, a superfície e a profundidade... levando o jazzista a seguir
improvisando acordes e timbres em
direção aos arrecifes, onde o clarão metálico
do seu sax, sob uma intensa luz do luar, ia indo, seguindo, avançando o
horizonte até onde a água interpunha-se à
vista da gente, até onde um sexto
sentido nos indicava que aquela noite engolira para sempre o maestro
Nirollez... Até a gente sentir na própria pele que o mar, o maestro e o MC VI, em verdade,
uniram-se como uma só coisa, num
só corpo, em uníssono!...
Nota: “A Viagem” é uma narrativa
ficcional. “NIROLLEZ” é um anagrama imperfeito de ‘Lorin Maazel’
– maestro norte-americano, estrela de
primeira grandeza na música clássica, a quem
é dedicado este conto.
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