A armadilha do Miranda já estava preparada.
Fora somente o tempo de
rodopiar a chave no cadeado da porta e os policiais à paisana surgiram fechando
o cerco. Enquanto os agentes
o algemavam em alvoroço de comemoração, Miranda, num silêncio constrangedor,
mantinha-se acocorado no estreito cômodo,
com um olhar cabisbaixo e desolado, acompanhando os chutes fortes e
certeiros que derrubavam seus cavaletes,
latas de tintas, pincéis, tecidos, a
mesinha, uma banqueta e diversos outros
apetrechos do seu local de trabalho. Aos
gritos e pontapés, os agentes intimavam
o pintor de faixas:
- Vamos, seu merda, me dá um
nome!... Vamos, me dá um nome, anda!!!...
Lá fora, quase uma
dezena de carros policiais, que mais pareciam infernizar o trânsito com suas sirenes ligadas, aguardavam a saída
do pintor, ainda bem assustado e temeroso dos novos e futuros
acontecimentos. Era visível que se fosse
um Dom Quixote nessa hora, Miranda transformaria seus pincéis em lanças
pontiagudas e espadas implacáveis; dos
seus lápis inocentes, que antes se
acomodavam no porta-trecos sobre a
mesinha, Miranda faria zarabatanas com setas envenenadas pelo curare, ou transformava-os em
atiradeiras de miras precisas...... Quem sabe ainda, dali, do seu ‘ateliê de pintura’, um cubículo com paredes descascadas, com a
estreiteza de dois metros por quatro e
pouco, onde mal cabiam as suas faixas estendidas, quem sabe dali, do seu minúsculo cômodo sublocado no centro
da cidade, Miranda, com seus pincéis
ágeis, criaria os vestígios de um campo
de relvas, feito uma clareira aberta em meio à floresta, para que pudesse como
o Cavaleiro Andante, combater o bom
combate e escorraçar de vez e para
sempre os seus opressores;
enfrentaria os agentes, seus
algozes, em campo aberto, mas antes
anunciaria a façanha ao som de trombetas e clarins, como uma
aventura necessária à sua vida tão
carente de novas dimensões até aquele maldito dia... Miranda, por certo, usaria para si,
da mesma descrição que o “Manco de Lepanto” dirigira a si
mesmo: “este que aqui vês, de rosto
pontiagudo, de cabelo castanho, testa lisa e desembaraçada, de olhos alegres e
nariz curvo (...) os bigodes grandes, a
boca pequena, os dentes nem miúdos nem grandes, porque não tem senão seis, e
estes mal acondicionados e pior postos, porque não têm correspondência uns com
os outros...” Aprisionado entre as
paredes daquele estreito corredor, em meio a seus objetos de trabalho espalhados pelo chão, Miranda,
depois de atirado ao solo várias vezes pelos
Agentes, e já cansado da
pancadaria vinda das mãos fortes daquele grupo, agora prestava-se a ouvir os
apelos insistentes para que ele, Miranda, abrisse o bico; Os Agentes insistiam
para que ele, Miranda, desse com a língua nos dentes; entregasse a eles, os Agentes, alguém de cima: o seu Chefe, o
seu Líder, o Mandante, o Mandão, o Déspota!...
Os Agentes pressionavam para que ele, Miranda, caguetasse um nome; se preciso, agisse sem pena, sem piedade,
sem dó nenhum... Ali, como um bicho enjaulado, Miranda, quase em comoção,
completaria para si mesmo de uma maneira ‘nada exemplar’: “ Este
que aqui está, digo, este que aqui vês,
trôpego, arruinado, exposto hoje ao
vexame público, desenganado, um miserável
traste em mãos alheias, um
cachorro morto que continua a ser chutado, sem que qualquer culpa tenha nesta
vida... este, este sou eu, Miranda Martins, cujo primeiro emprego foi o
de ‘Estafeta’ na Gráfica Moderna de São Paulo. Quase uma vida como impressor gráfico. Eu, o Miranda, a quem
sempre diziam: Anda, Miranda, anda!...” Miranda lembrou-se que
ao compor os textos na bancada da Gráfica Moderna, na maioria das vezes
sozinho, sentia um medo danado da morte,
pois temia que um dia morresse ali solitário e esquecido, sob o som alto e continuado da Impressora
Minerva. Entretanto, nada disso
acontecera, mas o receio da morte rondava-o novamente, diante daqueles carrascos à sua frente.
Então, como quem quisesse ganhar tempo, Miranda esclarecia aos Agentes
que na Moderna aprendera, por
exemplo, que Ottmar Mergenthaler, o Otto,
dizia o Miranda, fora o inventor da
‘Linotipo’, nome aportuguesado de uma máquina de composição, que fundia em
chumbo, linhas inteiras de ‘tipos’ em um único bloco. Na verdade, insistia
Miranda, havia quem a chamasse de “A oitava maravilha do mundo!”... Diante
da insistência de um Agente, Miranda explicou-lhe que ‘tipo’
se referia às letras do alfabeto, aos sinais gráficos e a todos os outros caracteres usados para criar palavras, sentenças, blocos de
texto, etcetera e tal. Afirmou também
para os Agentes que a sua função, antes da Linotipo, era organizar
as letras para o bloco de impressão nas maquinas tipográficas. E assim
que as antigas impressoras perderam lugar para as modernas offsets, ele, Miranda,
perdera também, o emprego na
Gráfica Moderna de São Paulo... Miranda reiterava para os homens da lei, que hoje era apenas um pintorzinho de faixas, quer dizer,
fazia também alguns banners, algumas placas,
além de cartazes e painéis... E,
ali, na frente de todos eles,
jurava por Deus nosso Senhor e pela Santíssima Nossa Senhora Aparecida que no dia de ontem fizera, sim, fizera
aquela faixa inocente a que eles se referiam.
Uma faixa com uma mensagem de
amor. Miranda esclareceu que fez o serviço a pedido de um Motoqueiro que nem
mesmo o capacete havia tirado da cabeça, por isso, ele, Miranda, não vira
sequer o rosto do homem, que nem era
muito baixo nem era muito alto. A
moto, aquela sim, ficara ali parada, ali onde agora estão as viaturas; uma moto
verde oliva, ali mesmo junto ao meio-fio
da rua. Mas os Agentes, de
imediato, retrucaram que tudo bem, Seo Miranda, entretanto, a
mensagem, saiba o senhor, era um “SALVE
GERAL” para uma contra-ofensiva comandada pelos presos diante da proibição de visitas intimas no
presídio. Havia quem dissesse também, Seo Miranda, que era uma represália à linha dura do
governo, que impedira a saída do Dia
das Mães para os detentos do semiaberto. Portanto, ele, Miranda Martins, a pessoa
jurídica, fora entregue aos policiais como o local onde se produziu o “SALVE ”, quer dizer, a faixa solicitada pelo homem da moto.
Agora, ele, ‘Seo Miranda’, a
pessoa física, dava pinta de não querer facilitar as coisas. Dificultava até. Custasse o que custasse, mas tinha de ter um
nome. Assim, disseram os Agentes, tudo ficaria
muito mais simples, não é mesmo,
Seo Miranda? Afinal, algo não estava se encaixando bem, disseram
os Agentes. Faltavam peças neste
quebra-cabeças. Faltavam letras nesse
texto. A frase completa não fazia sentido, diziam. Estava sem coerência. Toda
oração merecia sujeito e predicado, Seo Miranda de merda!... Algo está em falta
nesse seu discurso, seja uma crase,
um acento grave, ou uma
linha a mais que realce os contornos dessa historiazinha mal contada, Seo
Miranda imprestável. Por isso, Mano,
abre o bico!... Caguete, alguém, vamos!... Vomite uma oração com início, meio e
fim, seu bosta!... Aponte
o caminho dessa narrativa; Diz aí,
Seo Miranda, quem é o protagonista, o herói, o mocinho?; onde anda o sujeito, Seo Miranda? Não faça nós, os Agentes, perdermos a nossa
compostura. Vamos, seu merda, vomite um nome,
me dá um nome, um nome!...Anda, Seo Miranda, anda!... O verso livre, Seo
Miranda, incisivo, direto... A nota de rodapé que tudo esclarece, o parágrafo
inteiro, completo, vamos, Seo Miranda, não temos aqui uma vida inteira!... E outra coisa, Seo Miranda – prosseguiram os Agentes
- Sabemos que o senhor começou a trabalhar como Estafeta, uma espécie de office-boy, já que Estafeta
era o nome que se dava pros meninos lá
em Portugal, para aqueles que
trabalhavam em escritórios ou empresas fazendo serviços sem muito valor, de pouca importância e
complexidade... serviços sem muito
prestígio, coisa assim como ir ao banco fazer um pagamento de contas ou andar
para fazer entrega de documentos, essas
coisas. Era uma tarefa de jovens que
ainda não tinham lá seus estudos completados e precisavam de dinheiro para ele
mesmo ou pra ajudar a família; havia
quem passasse uma vida inteira nesses empregos... Os office-boys, que hoje os tempos se
encarregaram de modificar, são os atuais Motoqueiros e Motoboys, que agora já não são mais garotos, mas ao
contrário, são praticamente homens
formados ou jovens com idade mais avançada, acima dos dezoito, e às vezes
ultrapassando os vinte e tantos; nas grandes cidades, eles formam, hoje, um
exército motorizado a ziguezaguear pelas ruas ...Enquanto ouvia, Miranda era empurrado para dentro do camburão, sentindo-se reduzido a um homenzinho infeliz e desastrado. Miranda contemplava pela porta semiaberta, os sinais da destruição no seu estreito corredor de dois por quase cinco; sentia-se triste vendo
espalhados pelo chão, atirados a esmo pelos estabanados Agentes, o seu armário,
a sua mesinha, os cavaletes, os pincéis, os lápis, as latas de tinta e de querosene, os tecidos,
a sua banquetinha quadrada, com as laterais mais altas pra facilitar-lhe
o apoio dos apetrechos... Miranda lembrou-se que ficara lá, também, o peso de papel, um pedaço de madeira com uma
chapa de metal fixada, em que se via o desenho invertido de uma Águia... Um ‘clichê’
que Miranda guardara desde os tempos da
Moderna. Bastava que algum cliente apenas olhasse pro objeto, e Miranda
discorria contente, sem titubear “Ah. isso é um clichê. Uma chapa para impressão em relevo, usada nas antigas
tipografias. Olha só, aqui a tinta não entra. Aqui entra. Quando a chapa
pressiona o papel, pronto, a Águia surge soberana no claro-escuro, a cortar o
céu! As veraneios dos agentes, agora,
já davam sinais de manobra, e Miranda revia o filme daquela manhã terrível de setembro. Lembrou-se que chegara ao terminal de ônibus e ali, como
todos, dera se conta do tamanho do estrago. A cidade estava
mesmo de joelhos diante do crime organizado. Ainda nem raiara o dia e o saldo já estava
contabilizado: incêndios em garagens públicas,
carros metralhados, coquetéis molotov explodindo em delegacias, bombas caseiras estourando vidros, ataques
relâmpagos nas bases móveis, carros em
chamas jogados contra agências bancárias,
caixas eletrônicos carbonizados,
ônibus incendiados nos terminais,
gritos, correrias, tiros e bombas na madrugada inteira... Sob um som
cortante de sirenes indo e vindo, ambulâncias e carros policiais cruzando as
longas avenidas ou mesmo subindo em canteiros de pedestres, ninguém poderia
deixar de ver os estragos consideráveis que exalavam da temperatura quente
daquela madrugada. Diante da paralisação geral do transporte público na região,
todos seguiam andando avenida acima em direção ao centro da cidade. Vez ou outra, nos bares e botecos, já se
ouvia os plantões da televisão com os
primeiros informes e comentários:
agentes policiais mortos, ônibus queimados, gente ferida e em estado
grave, prédios públicos metralhados, vidros estilhaçados pelo chão...A ação
comandada pelos internos aprisionados fora mesmo uma represália contra o sistema carcerário,
garantiam! As escutas telefônicas, grampeadas pela polícia,
apontavam para um “SALVE GERAL”. A referência, comentada pela jornalista da tevê, fez
com que Miranda desviasse os olhos para o bar. - Uma frase de amor!... –
insistia a repórter. Miranda, de forma
automática, repetiu o texto para si. E
se pudesse olhar com mais atenção, teria percebido que a frase que espocou na
tevê, acentuou-lhe uma sonoridade carregada de culpa. Pelo menos
era assim que seus batimentos cardíacos se manifestaram. Os sinais de
impaciência tornavam-se agora bem mais visíveis. Sem conseguir explicar para si
mesmo, o como e o porquê, Miranda sentia-se cúmplice do que enxergava e ouvia.
O seu olhar, ao longo do caminho, parecia
denunciá-lo às centenas de trabalhadores que ali caminhavam. Talvez por essa razão, seus passos ganharam outro ritmo, continuado,
acelerado, uma corrida contra o tempo; e
o que lhe vinha à cabeça naquele
momento, era somente o texto escrito no
papel-rascunho que havia deixado sobre a
sua bancada, seguro pelo peso do clichê tipográfico.. Entretanto, sem que
soubesse como, os Agentes se anteciparam à sua chegada e lhe prepararam o
flagrante. Fora apenas o tempo de rodopiar a chave no cadeado e eles surgiram
sabe-se lá de onde! Agora, quebrado e
alquebrado, com hematomas visíveis pelo corpo, surrado e torturado física e
psicologicamente, Miranda, longe de
saber para onde o levariam naquele passeio sem fim, viu surgir-lhe na mente as páginas de uma antiga brochura que imprimira na gráfica Moderna: Dom
Quixote! Lembrou-se melhor: Dom Quixote
de La Mancha,
o romance de Miguel de Cervantes! Miranda recordou-se de uma prova de página que lera para revisão.
Lembrava-se ainda da fonte utilizada: maiúsculas e minúsculas em garamond, corpo 12, romano. E sem
que se desse conta saiu lhe da boca um sussurro alto: Dom
Quixote!... Voltou a repetir aos brados: - Dom
Quixote de La Mancha!... Enquanto Miranda
regurgitava o nome do imortal
cavaleiro, os Agentes policiais, atônitos e boquiabertos, em uníssono,
cumpriram as ordens de se reunirem em
confraria, numa espécie de assembleia de avaliação; algo como uma banca examinadora que fixasse
pontuação para a adequação ao tema, para
o desenvolvimento do texto, encadeamento das ideias, coesão, coerência,
ortografia e dificuldades gramaticais. E assim, os Agentes chegaram
imediatamente a um veredicto: foram
unânimes em afirmar que avançaram. Sabiam que o caminho era esse. Miranda não era mesmo um reles pintorzinho de faixas como
previram, nem sequer um inocentezinho pra inglês ver...
Não!... Hoje, Miranda estava ali entregando o ouro sobre a mais recente e perigosa facção surgida no interior do
sistema prisional: Dom Quixote! Sim, diziam os
Agentes, agora estavam prontos para uma nova investida. Agora, agora tinham um nome. Agora, agora era
escancarar as portas para a imprensa.
Afinal, não basta só botar o ovo. É preciso cacarejar: Dom Quixote! ...Operação Dom Quixote!!! – diziam sorridentes e aos brados, sob o som das sirenes e buzinas, comemorando
a descoberta da facção que, ou já
existia ou estava sendo plantada nos corredores do presídio. Sim, estava claro,
o ataque fora encomendado por uma nova e recente força: Dom
Quixote!... Algo como uma luta dos amotinados contra os gigantes controladores do cárcere; algo como
uma proposta de implosão do sistema prisional; ou ainda, quem sabe, um combate sem trégua para ridicularizar os
promotores e os agentes da lei. E tudo isso regado a muita ironia e blasfêmia.
Sim, concluíram os Agentes: naquele dia 12 havia surgido um novo modelo de célula, inclusive com uso de amigos, parentes, pilotos
e celulares... Operação Dom Quixote!... Tivesse olhos pra todas as coisas, Miranda veria que os Agentes naquele momento sequer
lhe davam atenção, quando, insistentemente, repetia as palavras que ouvira do Motoqueiro: “ quero as
letras bem grandes, Seo Pintor...Assinar não é preciso, não! O Anjo me
conhece, Seo Pintor. Deixo o pagamento
adiantado e retiro à tardinha... E
motoboy tem folga, Seo Pintor? Folga nenhuma. O dia inteiro no vai e vem dessa
cidade. Entrega e busca. Leva e traz!...Tivesse mais atento ao entusiasmo que causara
aos Agentes, que riam e riam em sinal de vitória sob os
sons desconcertantes das sirenes,
Miranda perceberia que a conversa
que ouvira do falso motoboy pouco
lhes interessava naquele momento, entretanto, Miranda continuava contando: “Porcelana
fina, Seo pintor!... Uma Diana, essa mulher!...
Deusa Grega, essa Vênus platinada... Pois quero fazer-lhe uma surpresa,
Seo Pintor. Quero ver a faixa estendida
bem lá na esquina,
bem ali no cruzamento da avenida por
onde ela passa todo dia” Miranda
registrara as lembranças com nitidez e precisão. E por essa razão empolgava-se
com sua memória. A ele, Miranda, parecia-lhe que cada palavra, cada frase que
dizia, transformava-se em testemunha ocular para a sua própria liberdade. Sua memória, portanto,
poderia servir-lhe de álibi infalível
pra escapar dessa bruta enrascada em que
se metera. Naquele instante, era como se
ele, Miranda, tivesse se transformado no próprio Motoqueiro em pessoa, tal a
empolgação dirigida aos Agentes: “ Essa mulher é como uma princesa, Seo
Pintor. Preciosa como um objeto raro que
se guarda na Cristaleira. Fosse de vidro, Seo Pintor, seria um ‘Murano’, translúcido e colorido, com traços feito à mão, coisa de artesão que se consagra soprando belezas raras com a
cana de vidreiro. Fosse uma
paisagem, Seo Pintor, habitaria os
campos resplandecentes de um amanhecer esplendoroso... Cuido que nunca se quebre esse vaso Chinês, Seo Pintor. Nunca!..
Essa mulher, eu carrego aqui no meu
coração...Pois escreve aí nessa faixa com as letras grandes, Seo Pintor, bem grandes, assim ó:
BIBELÔ, EU TE AMO!” Ainda que os Agentes
não lhe dessem a mínima, Miranda esclarecia a eles que até rira de si
mesmo diante do trabalho que fizera, e confessou que “ para
um tipógrafo-minervista até que
se saíra muito bem como um pintor de
faixas!”. Miranda explicou
ainda, que desenhara as letras sobre o
tecido branco. A mensagem, esta destacara em vermelho-vivo, cor quente, a cor da paixão. As letras
ganharam assim um jeitão bold,
pesadas, com um ligeiro filete em preto,
que era pra saltar aos olhos da musa do Motoqueiro. Pois não fora assim, o pedido? Então, o Motoqueiro não lhe implorara o
máximo empenho pra lhe atender a um desejo do coração? Alheios e indiferentes,
os Agentes todos, como fosse um pacto, um sinal de aviso, uma combinação prévia, uma estratégia armada para dar inicio à
Operação Dom Quixote, cruzavam com seus veículos em marcha moderada, depois de
muitas idas e vindas rodando com as
possantes viaturas. Agora, chegavam ao
destino em silêncio gradual e profundo.
Uma a uma, simultaneamente, as portas escancaram-se para a saída dos
Agentes que, calados todos, diante daquele cenário de relvas, num campo aberto
tal qual uma clareira à espera de
acontecimentos, a um só tempo, e
juntos, pareciam remoer aquela maldita
frase reiterativa: Dom Quixote!...Operação
Dom Quixote!. Todos, ali, pareciam sentir na própria carne aquele golpe fulminante que sofreram diante da frase
estampada numa faixa de rua: BIBELÔ, EU TE AMO!... Por isso, o revide. Por
isso, o revide a quem ameaçara colocar a
cidade em pé-de-guerra naquela fatídica manhã de 12 de setembro,
era, pois, inevitável. O fato exigia dos
Agentes um olhar para o avesso do avesso do avesso. Por isso,
de olhos vendados pelos seus algozes, e desatento às urdiduras todas no
demorado passeio daquela manhã, Miranda
descera do camburão amaldiçoando o seu dia,
sentindo um suor frio percorrer-lhe a espinha ao compreender que ali, bem próximo dele, os grupos
se dividiram: de um lado, alguns
Agentes marcando um ritmo cadenciado na palma das mãos, chamando-o aos gritos, de forma alternada e incessante: anda,
Miranda, anda!... anda, Miranda, anda!...e de outro, os
demais ensaiavam uma seqüência ruidosa
de sons metálicos, tal qual gatilhos em preparativos pipocando na sua
frente, martelando seu ouvidos, ferindo seus tímpanos continuadamente...
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