Diálogos à beira
do “coma”
No filme, Fale com ela, (Hable
con ella), do diretor Pedro Almodóvar, os personagens masculinos (enfermeiro e
jornalista) e os femininos (bailarina e toureira), estabelecem uma relação
intensa no hospital, onde ambas se encontram em coma. Marco, o jornalista, acredita que elas estão
mortas. Benigno, o enfermeiro, que cuida da bailarina (Lydia) aposta num “milagre” e aconselha Marco: “Fale
com ela”... “Fale com ela”... e é o que ele fará, de certa forma, dialogando
com o longo silêncio de Leonor ( a toureira).
Esse, digamos, monólogo, que no
filme ganha contornos de diálogos, pode, apropriadamente, tornar-se
uma “ferramenta essencial”, também nesses tempos de pandemia. Imagine-se como um paciente terminal. Você
está internado, próximo ao fim, mas você ainda escuta. De repente, ao seu lado
alguém diz: “ -
Farei o possível pela sua vida!...”
Até aí, alguns pontos a considerar:
primeiro, esse alguém, o médico ou
profissional especializado, poderia estar fisicamente ali, desde que
fosse possível, e com todos os cuidados
de um não-contágio, especialmente, frente a um vírus pandêmico, como é o caso
do recente coronavírus. Segundo ponto, o médico ou esse atendente
especializado, estaria acompanhando
você, via equipamentos de “Telemedicina” – com uso de som e imagem de vídeo; com a ressalva de que, até pouco tempo, esse procedimento sofria
certo viés contrário, uma vez que, culturalmente, exigíamos dos profissionais
de saúde um estreito contato com o paciente. Digamos que, quanto mais melhor, acredito que era assim que todos nós pensávamos.
Mas
há uma outra consideração que salta com relevância neste enfoque.
E vem de uma experiente profissional no trato com Cuidados Paliativos; um
enfrentamento habilidoso, entre médico-paciente
diante de doenças dolorosas e incuráveis. Tendo à frente, doentes que não podem receber visitas, a
médica Ana Cláudia Quintana, tema desse
texto, adianta que a importância do profissional de saúde nessa hora, alcança uma conexão fundamental e de extrema
confiança ao paciente. Para a doutora
- no
momento da nossa maior fragilidade, em que estamos morrendo, e todas as
medidas de sobrevivência já foram tomadas, não respondemos mais aos estímulos,
mas ouvimos de um profissional ao nosso
lado:
“ - Farei o melhor que
puder pela sua vida. Você é muito corajoso!...”
Para Ana Cláudia, esse gesto cuidadoso ganha proporções de reflexão sobre
a nossa finitude, tornando, não-necessariamente, a morte digna, mas sim, a vida digna. Por isso, acrescenta: “ Se a última coisa que você ouvir na sua vida for
isso, vai ter valido a pena. Não é nem
para salvar a sua vida, mas (fazer) o possível pela sua vida.”. A abordagem da médica, entre outros
pontos importantes, avança, com propriedade, para esse momento restritivo
imposto pela “pandemia” causada pelo
Coronavírus, em particular sobre o impedimento presencial junto ao leito, de familiares, ou mesmo, de profissionais de Saúde, numa fase delicada da perda do ente querido. Em sua ótica,
quando se vê o corpo, sepulta, chora, faz missa, faz rezas, esse ritual cria e
garante uma estrutura de segurança a quem fica;
é como se fizéssemos uma trilha
sinalizada. “ Sem essa ritualização, a emoção da perda é arrebatadora” – conclui.
Médica com grande reconhecimento na sua área, e autora de livros como “A morte é um dia que vale a pena viver” e “ Histórias lindas de morrer”, Ana Cláudia Quintana parece construir,
e constrói, cuidadosamente, aquele
“milagre” da narrativa do filme, apostando todas as suas fichas, sabiamente e humanamente, nesse aparente e improvável “diálogo” entre os
médicos e pacientes.
Texto: Celso
Lopes
Fonte: Mariana Alvim - @marianaalvimDa BBC News Brasil em
São Paulo (12/abril/2020).
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