quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

O PULO DO RATO Crônica de Celso Lopes

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DO FATO À FICÇÃO: a humanização das notícias de jornal.

Concurso Literário e de Imagens coordenado pelo

IFTM (INSTITUTO FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO)

- Campus Uberlândia/Centro - 2020

Celso Lopes  -  Crônica

  

“O PULO DO RATO”



Não, você não leu errado. 

Ainda que quem esteja à frente desse estrelato de habilidades seja o Gato,  com as suas 7 vidas ou por vezes até 9, de acordo com cultura local de países,  neste caso, o felino terá de ceder a vez  e a expertise para o Rato. É certo que  continuamos tratando aqui de Vida, onde os gatos seriam praticamente imbatíveis, seja pela proeza inimitável do seu pulo, seja pela imunidade à doenças ou mesmo pela narrativa  convincente das “sete vidas”; entretanto,  pasmem, resta a eles abrir espaço, pois o que está em jogo não é somente a Vida,  porém, a Vida eterna.    Isso mesmo.  A Vida eterna, garante o engenheiro formado pelo MIT e  futurólogo venezuelano,  José Luiz Cordeiro, está com os dias contados, quer dizer, em contagem regressiva  de uma  data  ou progressiva para alcançá-la  – à escolha de todos nós mortais. Ou seria melhor dizermos – imortais?. Apresentando dados que, por vezes, queremos crer que sejam mesmo verdadeiros, confiáveis, uma vez que respalda suas teorias sobre a Vida eterna, em expoentes como o matemático David Wood (autor de A morte da morte), incluindo o biólogo e cientista David Sinclair, da Universidade de Harvard, Cordeiro ‘prega e bota fé’ no que chama de interrupção da velhice, afirmando:  “já temos novas tecnologias de reprogramação celular e estamos entre a última geração humana mortal e a primeira imortal”.  Quando  perguntado sobre os caminhos dessa viagem sem volta, saltam à tona, entre outros micro-organismos, as bactérias. “ Sabemos que há células e organismos que não envelhecem, como, por exemplo, as bactérias. Elas são as primeiras formas de vida no planeta”.  

“- Outro tipo de célula que se descobriu que não envelhece é a do câncer” – acrescenta enfático:  “(...) Esse é o problema do câncer, ele não envelhece e por isso é preciso matar todas as células cancerosas porque, se deixar uma sobrevivente, elas voltam a se reproduzir”.  No rol desse esquadrão de “eliminadores do Gato”,  entram nomes de peso, como por exemplo, a Microsoft:  “ Depois do sequenciamento do genoma humano, conseguimos entender, por exemplo, que o câncer é uma mutação para se manter jovem”.   Cordeiro garante que a cura virá por aí:  “Não foi uma companhia médica ou farmacêutica que falou isso (cura do câncer), mas a Microsoft, porque o câncer é um problema computacional, não um problema médico. Podemos encontrar as mutações que geraram o câncer e compará-las com as células não cancerosas”.

Outro “golpe mortal” sobre os felinos estaria a um passo de acontecer,   e chega pela Universidade de Tóquio, através de um Samurai-cientista, o  japonês Shinya Yamanaka, prêmio Nobel  em 2012. “ Ele descobriu (2006) que células podem ser reprogramadas e que é possível modificar genes de uma célula velha e torná-la novamente jovem (...)”,  acentua  Cordeiro.   Para fortalecer, ainda mais, as previsões,  Cordeiro agrega as projeções do futurista Raymond Kurzweil: “  Ele fala que no ano de 2045, o envelhecimento e a morte se tornarão opcionais, quando a inteligência artificial ultrapassará a inteligência humana”. Assim,  outra data, 2029,  agora bem mais próxima,  entra em cena:  “... alcançaremos a velocidade de escape da longevidade (....) para cada ano que vivermos, ganharemos um ano a mais (...) Mas não é o suficiente. Kurzweil estima que a partir de 2029 passaremos a viver indefinidamente, mas ainda envelhecendo. E em 2045 teremos as tecnologias de rejuvenescimento biológico com a reprogramação celular”.

Bem, “o tiro de misericórdia” ao reinado e à  sobrevida dos felinos tem hora marcada, garante Cordeiro: “O sequenciamento do genoma envolve três bilhões de bases nitrogenadas (...)   A mente humana não consegue ver a diferença (...)  Nosso cérebro é limitado e a inteligência artificial não tem esse problema. Por isso, ela será decisiva para a cura de muitas doenças e tratamentos (...)”.  E é neste ponto que  os ratos saem do buraco e nos olham, assim,   cara a  cara. Afinal, geneticamente, são 90% iguais aos humanos, e sobressaem-se, até aqui,  como importantes e excelentes “cobaias”, embora vivam em média  dois anos e meio.  Entretanto, afirma Cordeiro, entregando-nos, de bandeja,  “O  pulo do Rato”:   “ Agora temos espécimes que vivem cinco anos. Conseguimos duplicar a expectativa de vida dos ratos. E já temos conhecimento suficiente para usar isso experimentalmente com os humanos”. Uffa... pelo visto,  não temos nada a temer. Quem precisará daquelas 7 vidas dos felinos, se são os ratos, agora, que  já nos acenam com a Vida eterna?...



Texto:  Celso Lopes                                        


Fonte:  -   https://istoe.com.br/a-morte-vai-se-tornar-opcional/   

 



quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

O preZente de Natal - conto de Celso Lopes

 


O preZente de Natal

Muita gente não acredita que exista o “reino das palavras”, e bem mais perto do que se imagina. Basta olharmos para uma estante e se  ali estiver  ali um dicionário... pronto!... É nesse lugar mesmo que elas moram.  Lá  dentro, que parece tudo muito quietinho, quietinho,  é onde acontecem as estripulias do abecedário.  Por isso mesmo, pode se dizer que  as letras, todas elas, são  como crianças quando ficam sozinhas num quarto ou numa sala... muitas vezes viram um Deus nos acuda!.... 

Alegres. Serelepes. Bagunceiras. Irritadas...  As letras também são assim. São como crianças. Às vezes, até se parecem com  a gente.  Veja a letra    “A”, por exemplo,  quem não conhece um menino ou uma menina,  um amiguinho, um primo, ou até mesmo um tio mais velho, alto e  comprido, de pernas longas feito o “A” maiúsculo?  Ou então, alguém com um rosto redondinho com uma  franjinha, feito a letra “a”minúscula?  A  letra  “B”  se parece com uma criança rechonchudinha, seja  pequena na forma minúscula, seja grande na forma maiúscula. E  assim vai seguindo. Cada letra  com o seu jeito. Igualzinho uma criança. E que melhor momento para ver a alegria das crianças senão na época do Natal?   Cada criança,  à sua maneira, não vê a hora de escrever uma cartinha para o Papai Noel... e no dia exato correr para  encontrar presentinho trazido pelo  “bom Velhinho”.

No reino das letras é a mesma coisa.  Papai Noel chega na casa de uma letra,   entra pela chaminé ou pela janela entreaberta, olha para  a arvorezinha enfeitada, pega a  lista dos presentes, avalia como foi a “criança”, quer dizer, a letra, durante o ano, e pronto. Coloca ali o tanto certo de brinquedos  para cada criança, digo, para cada letra  que  habita o “reino das palavras”. E assim elas vivem  felizes para sempre?  

Nada disso. Sempre pode existir uma pedra, quer dizer, uma palavra torta no meio do caminho, e neste caso, atente  pelo nome de Zê!...  A letra  Zê, a última letra do alfabeto,  sempre foi uma espécie de criança zangada. Tão zangada como o personagem Zangado  na história da Branca de Neve e os Sete Anões. Mais que  enfezado,  o  Zê não se conformava  em   ser o último de todos  na ganhar o seu presente de Natal.  O Papai-Noel não tinha culpa, pois  a recomendação era seguir a ordem alfabética:  a, b, c, d, e , f, g, h, i, j....     E era isso que  mais  irritava esse menino zangadinho chamado  Zê.

Por isso, ele vivia choramingando  pelos cantos, chutando latas de tão nervoso, e tentando conseguir apoio dos seus vizinhos. O que ele queria mesmo era inverter a ordem  da entrega dos presentes. Dessa forma, claro, seria o primeirão a ganhar o presentinho.  Bem que o Zê   tentou  trazer para o seu lado  a letra S, a letra T, a letra U,  o  W....  Como não conseguiu, ficava  trucidando  a letra  “A” com suas pernas longas ou  com sua  franjinha no corpo. O “A”, confortável que estava na sua posição,   nem ligava para o  Zê.  Sabia que da lavra dessa consoante é que  saiam “as mais belas palavras do Natal” . Por isso, dizia e recitava pra quem quisesse ouvir:   Amor... Alegria... Altivez.... Apreço.... Apoio.... Alma...    Claro que a letra  “Bê” não  deixava por menos:   “ E no Natal não tem  Beleza,  Bolas,   Beatitude, Brincadeiras, Bondade...  não tem?” – dizia o Bê, tentando ser melhor que o A.   Quem não perdia tempo também era a letra CÊ, que sempre se gabava  com o  seu jeito de meia-lua, das   possibilidades de  ser soletrado de várias formas, e  insistia:     “ Quando é preciso sou  Casa...  mas também sou Ceia,  e  sou até Criação,  e também sou Carinho  e Coração.... “

Quando ouvia  isso,  o “ZÊ”  esperneava.  Tentava buscar algumas palavras que pudessem competir com esses “espertinhos” – como dizia - , mas nada, nada vinha em sua ajuda. Da sua boca saiam apenas  frases   provocativas  e ofensivas : -  “Zagais”... “Zabumbada” ...  – Dizia o Zê  em tom alto, enquanto  manquitolava  tortuoso   no “reino das palavras”.  O dicionário não tinha culpa nenhuma.  Afinal, permanecia  ali na estante, fechado, como um livro qualquer que descansasse dos muitos manuseios e leituras. Mas foi assim mesmo, a páginas fechadas,  que se deu aquela balbúrdia, isto é, quase uma revolução nada silenciosa no mundo das letras. As vogais,  esparramadas que estavam ao longo das páginas, juntaram-se rapidamente, gritando palavras de ordem contra o zangadinho Zê :

- Urra, urra, urra... sozinha a  letra Zê   é burra!...

 Perfiladas e unidas no seu tradicional a-e-i-o-u, as vogais exigiam que tudo ficasse como estava.  Os presentes deveriam ser entregues pela ordem do abecedário tradicional: abcdefghijklmnopqrstuvx....e finalmente, o Zê!...

- Zaratrustras!!!...  respondia o “Zê”, no seu estilo ofensivo contra as vogais.

Letra tortuosa e explosiva, o “” sempre caminhava  dizendo adjetivos próprios (e até impróprios), além de alguns substantivos de difícil compreensão. Era chegar o Zê por ali, e lá vinham aqueles  nomes estranhos: 

- Zarolhos!...,  “Zagais!... Zabumbada!...  “Zambê!... 

O “Zê” dizia tudo isso e depois  ficava “zaranzando” pelas páginas, até seguir para longe, bem longe e  zeloso como um “Zepelim” voando...

Não se sabe como, mas essa balbúrdia no “reino das palavras” chegou ao ouvido do Papai Noel. O que fazer para tudo ficar em ordem como sempre fora? O bom Velhinho consultou todos os sábios do Universo e mandou o recado. A longa noite em que se comemora o Natal , quando todas as crianças dormem o seu sono  encantado, uma carruagem voadora, trazida pelas mais belas Renas do universo, corta os continentes para levar uma alegria sem igual  aos pequeninos do mundo. É bem verdade que não havia presentes para todos. Muitos e muitos ficam sem nada. Algumas crianças nunca, sequer, ganharam um presente de Natal. Mas poucas crianças ficavam sem o carinho nessa data que homenageia o nascimento do  Menino Jesus.  Sempre há uma alma boa e solidária para os  mais necessitados. Sendo assim, não importa por onde se começa, o que é necessário  é que todos ganhem um afeto.  Um carinho simples que seja, pode se transformar num belo presente de Natal. 

Papai Noel cumpria a sua parte. Ao amanhecer o dia, todos os presentes estavam entregues, portanto, sua  tarefa estava cumprida.  Dizendo isso, mandou logo um recado para o  “menino Zê:  Que ficasse  tranquilo, afinal,  o  presente dele também já estava na caixa para ser entregue, portanto  – disse Papai Noel -  não precisa ficar me mandando recado com indiretas  na grafia das letras,  para me lembrar do seu presente.  Papai Noel disse isso porque o Zê, espertamente,  trocava o S pelo Z,  achando que iria enganar o bom velhinho.  Olha só como o espertinho escrevia as suas cartinhas:

“ Papai Noel, minha caZa  é logo ali!...   Papai Noel,   traga meu preZente primeiro!...  Papai Noel, não querendo abuZar do Senhor... ” 

Papai Noel sabia que criança era criança, quer dizer,  letra era letra. Sendo assim,  cumpriu mais uma etapa na vida de quem não faz outra coisa a não ser  entregar as lembranças  para o mundo inteiro.  O sinos de Natal soaram com a beleza de sempre.  As crianças correram em busca dos presentes. Quanto ao  ZÊ -  inquieto como sempre -  continua dizendo que ainda vai  criar um  novo alfabeto, cujo nome será  – Alfabeto Zumbix -  uma sugestão  proposta pelo amigo  “Xis”, um indivíduo xereta e  xarope, dono de um xeque-mate exclusivo para   convencer a todos  Como segunda letra desse novo alfabeto, o esperto “Xis” tentava  algumas adesões importantes, por isso vivia dizendo: 

  -  K, W e Y merecem nosso Xodó!... Viva o Alfabeto ZUMBIX!... 

Mas a letra Xis, com  o  seu jeito  de jogar  xaveco no vazio,  percebeu logo  a  xaropada   que inventaram.  A essa altura, o  zombeteiro  ZÊ,  sem rumo,  ziguezagueando  entre os vocábulos,  zurrava  e zumbia a não mais poder.  Por fim, ambos, o  ZÊ e XIS, feito andarilhos  zumbis,  riram soltos da zoada e zombaria,  certos de que tudo não passava de  pura provocação ao tradicional abecedário.   A letra A  evitava, a seu modo, um confronto direto com os integrantes do ZUMBIX,  preferindo – sempre que possível – analisar com seus provérbios:

-  “Abnóxios, o que são!”... “Abominável” ZUMBIX!... “Abobrinhas”, o que falam!...

Ainda não sabemos como isso tudo  vai  terminar. O ZÊ continua tortuoso e inconformado, e sempre está  manquitolando com novas ideias pelo caminho. E o Xis, claro, segue o mestre,  está sempre do lado dele. Por enquanto, o Papai Noel está tranquilo quanto aos pedidos de todas as crianças do mundo, mas sabe que no meio do caminho sempre pode ter  uma pedra, quer dizer,  uma letra que atende pelo nome  de ZÊ, e que vive querendo mais e mais  “ PreZentes”,  e primeiro que todos as outra crianças.  “Vai que uma hora dessas ele consegue mudar  o alfabeto!...” – analisa o bom velhinho, com  toda a sua alegria de sempre: Ho...Ho...Ho!... Ho...Ho...Ho!...

 

Texto: Celso Lopes 



segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

QUEIJINHO - HONRA AO MÉRITO

 


Homenageado pela Câmara Municipal de Guará em 13/dez/2018, José Paulo Telles,  nosso reconhecido “Queijinho”,  recebeu a medalha de honra ao mérito. A comenda é  a mais alta condecoração oferecida pela Câmara Municipal da cidade,  como forma de distinguir  pessoas e entidades que contribuem com o avanço da sociedade.  É o caso do “Queijinho”,  um dos  esportistas guaraenses, e  com grandes experiências e vivências no mundo do futebol.

Pegando “carona” na homenagem mais que oportuna, compartilho com os integrantes da Câmara  e com todos os amigos guaraenses, o texto abaixo, uma pequena crônica, em que faço minha carinhosa homenagem à passagem, hoje, 21/12/20, do amigo de sempre - “Queijinho”. 


 “Assim é se lhe parece...”

 Queijinho jogou bola. Futebol dos bons. Tinha chute forte e corria como ninguém – um fôlego de queniano. Ponta esquerda,  no escanteio  esbanjava a maestria.  Após o chute certeiro, a bola subia por sobre a área, afastada do goleiro, procurando  uma testa livre, disponível e bem preparada pra vazar o gol adversário. E foi assim... a pelota ganhou força em direção à marca do pênalti... e o Queijinho lá parado, com seu estilo, no gesto do chute, alongado, o pé de apoio firme deixando ver claro a força dedicada ao lance.  Ele lá parado,  nós todos  acompanhávamos e  víamos o gesto. Adiantou vir o Juiz? Adiantou os colegas implorarem para que ele voltasse ao gramado?  Os adversários,  ávidos por  buscar a diferença do placar,  também fizeram esforços para que o atleta deixasse daquela firula... e nada!... Queijinho, ali, contemplado por todos como uma estátua... melhor ainda, um Monumento, coisa assim trabalhada  por alguém como um Michelangelo,  o escultor maior  com a própria escultura maior   para homenagear os  melhores, ou seja, aqueles  que se destacam  numa empreitada sem igual.  E Queijinho era o seu nome, o nome do nosso atleta... 

O que não se sabe é se isso aconteceu, realmente,  bem ali,  sob nossas barbas.... eu mesmo, careço dessa confirmação, mas  afirmo, lançando mão da frase sustentável de Pirandello: assim é se lhe parece!...  Queijinho, o atleta de fôlego, gente da  melhor safra  esportiva, com chute de canhão e pontaria no centro do alvo, não poderia ficar sem a homenagem. Ficaria, portanto,  ali no campo, para sempre, transformado por si mesmo naquela  escultura irrepreensível.  O jogo continuaria em poucos minutos,  afinal,  logo alguém se  lembraria   de empurrar a estátua do atleta, digo monumento,   para um dos cantos favoráveis do estádio. Assim,  lá ficou para sempre o Queijinho. Um justo reconhecimento.   No entanto, é preciso ter  olhos para enxergar o Monumento. Olhos da alma.  Dessa forma, olhando bem,  ainda está lá, onde sempre estivera,   como se aquele  monumento  tivesse nascido ali, ali mesmo,  no gramado do nosso campo de futebol da A.A. Guaraense,    ou tivesse existido  por  ali durante uma vida inteira,  sem que a gente se desse conta... O Monumento, bem à frente dos nossos olhos, causando uma admiração reverenciada,  infinita, duradoura, de vida inteira, a quem fosse dado esse privilégio de contemplação.    Passado todo esse tempo, hoje, hoje mesmo,  Queijinho está ali, sentado, tranquilo, por vezes, no bar do Ademir ou em outro boteco qualquer,  onde sempre  leva   as suas memórias para dar um longo passeio... pode se ver nelas, quando se materializam,  as suas dores,  os seus amores, os olhares, os sabores e as agruras todas da sua  longa  caminhada pela  vida...

Dia desses tive vontade de lhe perguntar:  

- Queijinho, me fale da vida, da sua vida, da  vida  vivida? 

Mas me silenciei.  Deixei apenas o pensamento fluir...

Melhor vê-lo assim, ali, como um pai que olha um filho suplicando-lhe o amparo nos momentos difíceis. Pois eu sei que esse rebento da nossa  cidade de Guará,   sempre me teve em conta. E amizade é o que nunca lhe faltava.  Nunca lhe faltou.   Mas, só poucos,  muito poucos – pode-se contar  nos dedos da mão ­-  somente a poucos cabe enxergá-lo  como a Pietà, esculpida por Michelangelo,  em que se transformou....  E a  quem for concedida essa graça, esse dom quase divino de enxergá-lo em toda  a sua  pureza, grandeza  e plenitude,  que  sempre foram as suas marcas registradas... esse, esse vivente  terá a virtude de encontrar o  que nos falta ainda, o que falta a todos nós para  desvendarmos por inteiro, a própria alma dos homens!...

Texto:  Celso Lopes 


OBS:  homenagem ao Queijinho que nos deixou em 21/12/20


sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

DUELO SOBRE A MESA Conto de Celso Lopes

II CONCURSO LITERÁRIO – MARIANA CAZELLA MACIEL
Promoção:  Projeto NEPLLI – Núcleo de Ensino e Pesquisa em Língua e Literatura
Curso de Letras -  Instituto Federal do Paraná -  Campus Palmas 
Realização:   maio/junho 2020  
Classificação:  1º. Lugar  -  Conto:   DUELO SOBRE A MESA


DUELO  SOBRE A MESA 

 Um dos peritos, impressionado pelo fulgor do embate, chegou a citar, textualmente,  o caótico rio de pedras”,  narrado pelo escritor  Umberto Eco*. E não sem razão; há de se acreditar, insistia o perito,  que no auge desse enfrentamento imperioso, o interior de ambos seguia em contínua ebulição, revelando uma torrente furiosa, tal qual uma “correnteza de grandes rochas informes, placas irregulares e cortantes como lâminas, e amplas como pedras tumulares (...). Aos olhos do perito, fora assim o duelo entre  Dona Branca e o Professor Pio. Quem os conheceu no dia a dia  informava que as desavenças entre ambos, não raro, surgiam  após um  silêncio profundo; nessas horas o ar ficava pesado e  fazia brotar,  às claras, um rancor íntimo desencavado. Acredita-se, informam os peritos, que esse conflito pode ter sido acentuado  pelo toque de se recolherem ao lar, uma vez que integravam o grupo de risco imposto pela Pandemia. Foram encontrados, ali, sentados, frente a frente, na mesa da sala; cada qual em seu canto  com a cabeça curvada e apoiada sobre o braço;  o olhar de cada  um deles parecia,  certeiramente,  dirigido ao outro. Lá estavam,  inertes, até a descoberta. Cansado de ligar para os pais, o filho informou ao Zelador do prédio, e este,  pressentindo algo estranho, levou o caso  à  polícia, que, instantes depois, solicitou a abertura do local e  posterior autópsia. O casal vivia há muitos anos naquele prédio do bairro. Ela, uma antiga professora de história; ele,  ex-chefe de laboratório de biologia da faculdade, onde se conheceram ainda bem jovens.  A perícia técnica apresentou anotações, laudos, infográficos  e fotos, destacando um considerável número de Palavras Cruzadas abertas; um Volume sisudo de cor marrom;  dois Dicionários que,   pelas digitais,  disseram os peritos,  o Caldas Aulete seria o  da Mulher, e o Aurélio, o do Homem.  A perícia indicou que as sandálias da Mulher deixaram rastros. Observou-se  que teria se deslocado até à cozinha, onde tomara café na térmica;  depois,  deteve-se  na estante da sala, de onde retirou o Volume marrom, que destacava na página interna: “Instrumentos de Guerra da Antiguidade”. Segundo a perícia,  tratava-se  de relatos sobre   estratégias dos antigos exércitos, como o  Apito da morte”, descrito, ali, como “um objeto sonoro criado pelos Astecas, que simulava  estridentes gritos  de pessoas em sofrimento,  induzindo os adversários a um estado de transe desesperador.  Apanhado o livro,  Dona Branca  se dirigira  à mesa do embate.  Então, ali, o duelo teve início para ambos.  Cada qual com os seus compêndios de Cruzadas. Segundo os peritos, era quase possível “ver” a agilidade da Mulher no desafio das verticais e horizontais, sem tréguas ao adversário;  indicaram ainda, que, em  determinado instante, os olhos da Mulher foram  ao encontro dos olhos  do Homem.  O abalo causado por esse olhar, disseram eles, fragilizara o  oponente.  Na praça de guerra,  o espalhamento das revistas acenava com que a estratégia do Homem seguia rápida com rigorosa atenção nas armas de combate.  Ao Homem, fortaleciam-lhe as  publicações relativas a  filmes, teatro, música,  biologia  e literatura química. Novamente, “pressentia-se”  a voz  da Mulher de forma  explosiva  no território da disputa. Podia se ler, com clareza, uma das perguntas: “Animal mitológico associado à virgindade, tem a  forma de um cavalo com um único chifre frontal?”.   Bingo.  “Unicórnio”. Assim assinalara a Mulher.  Ao Homem,  restava-lhe o sofrimento frente à  pergunta quase sussurrada: “- O  nome de uma das sete maravilhas do mundo antigo?”. Segundo os peritos, os sinais mostravam, vivamente, que o professor Pio  estancara-se com a caneta no ar; pois sentia, naquele embate infernal, a Mulher apontando-lhe as  armas de Guerra. Aquelas tamanhas e poderosas, como a Catapulta, arma de ataque capaz de quebrar barreiras dos homens, especialmente, os encastelados  e protegidos em  cidades muradas.  Haveria de destruí-lo, caso ele persistisse. Lançaria sobre seu adversário as mais potentes armas,  que haveriam de liquidá-lo no interior do palácio.  Recuasse, portanto,  ou então,  receberia o golpe  mortal:  haveria de lhe atirar a maldição das  esposas incompreendidas!... Para os peritos,  a mente do Homem dirigira-o  para a área química. Ou ele a superaria agora ou haveria de viver  a maldição das esposas  abandonadas. O Homem sussurrava, exalando suor frio. Ele sentira o baque. Doeu-lhe a força desse punho gigante da Mulher à sua frente.  Por isso, olhava, agora, de dentro do seu próprio silêncio, para dona Branca,  enquanto  lançava  mão do seu  Aurélio:  - O nome de uma das sete maravilhas do mundo antigo!...   No entanto, as tentativas se mostraram  infrutíferas e o  silêncio fora  quebrado, apenas,  pela  retórica ascendente  da Mulher.   - o  Santo Graal também é chamado de.....?”.  Neste ponto,  os peritos adicionaram ao laudo:  na sala avolumada de  silêncio, podia ser percebido os contornos grandiosos dos olhos  do Homem e da Mulher,   como fossem eles, Dona Branca e o Professor Pio,  os guerreiros autênticos  das   antigas Cruzadas, os  soldados de Cristo.”.  Então, enquanto a Mulher já se  debruçava  nos desafios da sua  Coquetel Super,  um certo  vazio  se instalava  no ambiente.  Agora,  as horizontais da Passatempo do Homem pediam ajuda aos deuses da sabedoria:  “ - Trepadeira comum em muros -  com quatro letras?  - A flor da idade, no sentido figurado -  com nove letras?”... Enquanto o Homem  entendia a  necessidade urgente dessas  respostas,  ela, a Mulher, garantem os peritos, ganhava distância  a olhos vistos. As palavras cruzadas exigem mais que  uma brincadeira - ironizava em seu silêncio -  como se mostrasse a ele, ao Homem,  que as Cruzadas não brincam.  Então, a Mulher preparou-lhe  um  olhar fulminante repleto de força bruta sonora:   “Lutar com palavras  é a luta mais vã.  Entanto,  lutamos  mal rompe a manhã(**)”. E tomada pelo poder dessas palavras ditas,   eis que, então, sob suas mãos, elas, as palavras,  ganharam formas definidas de ataques:  primeiro  as pontiagudas,  depois as  cortantes,   e por fim,  as explosivas... E assim, a Mulher  lançara, inapelavelmente,  sobre Homem, os seus escudos especiais. Ao Homem,  restava-lhe manter a distância adequada para não ser ferido de morte. Mas para sua festa surgiram os filmes, teatro, música,  artistas  e afins.  O Homem sorriu largo,  pois, se sentia no páreo; E assim seguiu ele, devorando com gulodice as suas anotações:  - Em que cidade nasceu Yusuf Islam  ( conhecido como Cat Stevans?)   - Qual série de TV tinha como protagonista o Ator Peter Falk?  ... Como  previsto, o Homem avançou  três  compêndios e cinco páginas, mas ainda era pouco. No entanto, com o rabo-dos-olhos ele percebeu que a incomodara.  A Mulher, ali, embatucara-se diante dos  símbolos químico....Ele ouviu, sim,  a ênfase retórica,  insistente, carregada  de  nervosismo:  - Enxofre?.... Lítio?...A mente não lhe faltaria nessa hora – sorriu triunfante.   A  toxicidade das substâncias químicas dançava  à sua frente,  como um gás mostarda, cloro,  ácido cianídrico...  mas ele, ali,  definira-se pelo Napalm -   O  gel pegajoso e incendiário  usado nas guerras trágicas do  Vietnã, Laos e Camboja... porém,  confessava a si mesmo que não viveria a dor do engenheiro Jeff O. Stanford – Chefe do Laboratório Químico dos USA,  responsável pelo envio do Napalm às frentes americanas que, diante do grito antibélico do mundo, e culpando a  si mesmo  pelo genocídio,  suicidara.  Assim, a Mulher, novamente, ganharia a dianteira: - Península que abriga a Grécia e a Croácia?  - Nome de Deuses da Mitologia Grega?... E então,  decidida  a trucidá-lo, sem perdão,  tomou para si as armas decisivas.  Com destreza e maestria, Dona Branca apossara-se dos Estrepes e Culverins; segundo os peritos,  “armas medievais atiradas  contra a  cavalaria inimiga”. Desviando desse campo minado,  o Homem titubeava em seu abecedário: - Substância encontrada em vegetais, de grande importância  para o funcionamento do intestino?. Os passos  seguintes formariam a barreira implacável. O Homem sofria a cada pergunta que preferia  não ouvir:   - O maior império do mundo (em duração)? - Rei pagão denominado pelos judeus como o Messias?... As muralhas e fortificações,  postas ao chão naquela guerra,  levaram-no à rendição. O ar, agora, lhe faltava – disseram os legistas. Portanto, febril, cansado e ofegante, ele se acomodara sobre a mesa, com a cabeça inclinada no braço curvado, e o olhar, certeiramente, dirigido às  pupilas da Mulher.  E então,  a Mulher, com sua respiração traumática naquela batalha sangrenta,  em que vencera  o homem encastelado, numa luta silenciosamente inumana, reconhecera no antagonista, conforme a perícia,  um guerreiro, alguém de valor  e  à altura, o que a  levara à rendição definitiva.  A ausência do ar, agora, sufocava a ambos – disseram os exames. Portanto, também ela, Dona Branca,  acomodara-se na mesa com a cabeça inclinada  e o olhar certeiramente dirigido às retinas do professor Pio!... Fortalecendo a narrativa técnica, o perito retomaria o “caótico rio de pedras”, criando, aleatoriamente, um  apoteótico final:  nenhuma voz humana podia se fazer ouvir naquele instante fatal sobre o duelo na mesa;  embora ambos, ali,  tivessem o desejo de falar, de se despedirem de toda a carga de emoção que arrastavam consigo, não conseguiriam. O ‘rio de pedras’ interior que os conduzia, enfurecia-se cada vez mais, levando tudo ao redor  para as invisíveis vísceras da terra, pulverizando cascalhos, blocos e rochas para exprimir, talvez,  a impotência maior  do Homem e da Mulher frente ao embate  do vírus vencedor.”  

 

 

Nota:  (*) Umberto Eco – Confissões de um jovem romancista. Ed. Record/2018.

 (**)   Versos do poema    “O Lutador” – Carlos Drummond de Andrade. 

 


Texto:  Celso Lopes


MESA COM VINHOS Poesia

 

       Academia de Letras e Artes de Araguari

                                  (Menção Honrosa)


“MESA COM VINHOS

 

Olhar o tampo da mesa  é olhar o Tempo....

e ver nele  Jacarandás, Mognos, Cedros, Carvalhos,

Castanheiras, Angicos   e  Jatobás...

Olhar o tampo da mesa  é olhar o Tempo...

e sentir ali, impregnados, a maciez e a exuberância

na ancestralidade centenária de  cada árvore...

Olhar o tampo da mesa  é olhar o Tempo....

e ver diluído em suas veias, a ebulição  das tintas brancas

de Airéu, Palomino, Macabeo ou  o rojo febril do Tempranillo

Garnacha e Monastrel...

Olhar o tampo da mesa  é olhar o Tempo...

que nos sonda além-arisco  empunhando motosserras...

e nos ronda  primos-cúmplices  pela queda do  Jacarandá

de vida quatrocentona,  e que deita e rola nas clareiras

abertas das florestas de agora  e d’outrora.

Olhar o tampo da mesa  é olhar o Tempo...

e sentir com  olhos atentos  os caminhos de uma caça abatida,

a deslizar, inerte,  pelas  águas turvas de um sinuoso rio das Toras...

Olhar o tampo da mesa é olhar o Tempo...

e edificá-lo em formas visíveis de um Patanegra Oro,

Tempranillo, Sangue de Toro, Toro loco  e Albariños da Galícia...

Martin Códax, a homenagear os trovadores galegos  d’antanho,

nas poéticas Cantigas de Amigo...

Olhar o tampo da mesa  é olhar o Tempo...

a rodopiar por entre os convivas, na dimensão da madeira bruta,

a ser lavrada,  esculpida, eternizada em luta contra as intempéries,

e torneada à  nuances de luzes que alcancem um outro Universo.  

 

Texto:  Celso Lopes