“O preZente de Natal”
Muita gente não acredita que exista o “reino das
palavras”, e bem mais perto do que se imagina. Basta olharmos para uma estante
e se ali estiver ali um dicionário... pronto!... É nesse lugar
mesmo que elas moram. Lá dentro, que parece tudo muito quietinho,
quietinho, é onde acontecem as
estripulias do abecedário. Por isso
mesmo, pode se dizer que as letras, todas
elas, são como crianças quando ficam
sozinhas num quarto ou numa sala... muitas vezes viram um Deus nos
acuda!....
Alegres. Serelepes. Bagunceiras. Irritadas... As letras também são assim. São como
crianças. Às vezes, até se parecem com a
gente. Veja a letra “A”, por exemplo, quem não conhece um menino ou uma
menina, um amiguinho, um primo, ou até
mesmo um tio mais velho, alto e
comprido, de pernas longas feito o “A” maiúsculo? Ou então, alguém com um rosto redondinho com
uma franjinha, feito a letra “a”minúscula? A
letra “B” se parece com uma criança rechonchudinha,
seja pequena na forma minúscula, seja
grande na forma maiúscula. E assim vai seguindo.
Cada letra com o seu jeito. Igualzinho
uma criança. E que melhor momento para ver a alegria das crianças senão na
época do Natal? Cada criança, à sua maneira, não vê a hora de escrever uma
cartinha para o Papai Noel... e no dia exato correr para encontrar presentinho trazido pelo “bom Velhinho”.
No reino das letras é a mesma coisa. Papai Noel chega na casa de uma letra, entra pela chaminé ou pela janela
entreaberta, olha para a arvorezinha
enfeitada, pega a lista dos presentes,
avalia como foi a “criança”, quer dizer, a letra, durante o ano, e pronto.
Coloca ali o tanto certo de brinquedos
para cada criança, digo, para cada letra
que habita o “reino das
palavras”. E assim elas vivem felizes
para sempre?
Nada disso. Sempre pode existir uma pedra, quer
dizer, uma palavra torta no meio do caminho, e neste caso, atente pelo nome de Zê!... A letra
Zê, a última letra do alfabeto,
sempre foi uma espécie de criança zangada. Tão zangada como o personagem
Zangado
na história da Branca de Neve e os Sete Anões. Mais que enfezado,
o Zê não se conformava em
ser o último de todos na ganhar o
seu presente de Natal. O Papai-Noel não
tinha culpa, pois a recomendação era
seguir a ordem alfabética: a, b, c, d, e
, f, g, h, i, j.... E era isso que mais
irritava esse menino zangadinho chamado Zê.
Por isso, ele vivia choramingando pelos cantos, chutando latas de tão nervoso,
e tentando conseguir apoio dos seus vizinhos. O que ele queria mesmo era
inverter a ordem da entrega dos
presentes. Dessa forma, claro, seria o primeirão a ganhar o presentinho. Bem que o Zê
tentou trazer para o seu lado a letra S, a letra T, a letra U, o
W.... Como não conseguiu,
ficava trucidando a letra
“A” com suas pernas longas ou com
sua franjinha no corpo. O “A”,
confortável que estava na sua posição,
nem ligava para o Zê. Sabia que da lavra dessa consoante é que saiam “as
mais belas palavras do Natal” . Por isso, dizia e recitava pra quem
quisesse ouvir: Amor... Alegria... Altivez.... Apreço.... Apoio.... Alma... Claro que a letra “Bê” não
deixava por menos: “ E no Natal
não tem Beleza, Bolas, Beatitude, Brincadeiras, Bondade... não tem?” – dizia o Bê, tentando ser melhor
que o A. Quem não perdia tempo também
era a letra CÊ, que sempre se gabava com
o seu jeito de meia-lua, das possibilidades de ser soletrado de várias formas, e insistia:
“ Quando é preciso sou Casa...
mas também sou Ceia, e sou
até Criação, e também sou Carinho e Coração.... “
Quando ouvia isso, o “ZÊ” esperneava. Tentava buscar algumas palavras que pudessem competir com esses “espertinhos” – como dizia - , mas nada, nada vinha em sua ajuda. Da sua boca saiam apenas frases provocativas e ofensivas : - “Zagais”... “Zabumbada” ... – Dizia o Zê em tom alto, enquanto manquitolava tortuoso no “reino das palavras”. O dicionário não tinha culpa nenhuma. Afinal, permanecia ali na estante, fechado, como um livro qualquer que descansasse dos muitos manuseios e leituras. Mas foi assim mesmo, a páginas fechadas, que se deu aquela balbúrdia, isto é, quase uma revolução nada silenciosa no mundo das letras. As vogais, esparramadas que estavam ao longo das páginas, juntaram-se rapidamente, gritando palavras de ordem contra o zangadinho Zê :
- Urra, urra, urra... sozinha a letra Zê
é burra!...
Perfiladas e unidas no seu tradicional a-e-i-o-u, as vogais exigiam que tudo ficasse como estava. Os presentes deveriam ser entregues pela ordem do abecedário tradicional: abcdefghijklmnopqrstuvx....e finalmente, o Zê!...
- Zaratrustras!!!... respondia o “Zê”, no seu estilo ofensivo contra as vogais.
Letra tortuosa e explosiva, o “Zê” sempre caminhava dizendo adjetivos próprios (e até impróprios), além de alguns substantivos de difícil compreensão. Era chegar o Zê por ali, e lá vinham aqueles nomes estranhos:
- Zarolhos!..., “Zagais!... Zabumbada!... “Zambê!...
O “Zê” dizia tudo isso e depois ficava “zaranzando” pelas páginas, até seguir para longe, bem longe e zeloso como um “Zepelim” voando...
Não se sabe como, mas essa balbúrdia no “reino das
palavras” chegou ao ouvido do Papai Noel. O que fazer para tudo ficar em ordem
como sempre fora? O bom Velhinho consultou todos os sábios do Universo e mandou
o recado. A longa noite em que se comemora o Natal , quando todas as crianças
dormem o seu sono encantado, uma
carruagem voadora, trazida pelas mais belas Renas do universo, corta os continentes
para levar uma alegria sem igual aos
pequeninos do mundo. É bem verdade que não havia presentes para todos. Muitos e
muitos ficam sem nada. Algumas crianças nunca, sequer, ganharam um presente de
Natal. Mas poucas crianças ficavam sem o carinho nessa data que homenageia o
nascimento do Menino Jesus. Sempre há uma alma boa e solidária para
os mais necessitados. Sendo assim, não
importa por onde se começa, o que é necessário
é que todos ganhem um afeto. Um
carinho simples que seja, pode se transformar num belo presente de Natal.
Papai Noel cumpria a sua parte. Ao amanhecer o dia, todos os presentes estavam entregues, portanto, sua tarefa estava cumprida. Dizendo isso, mandou logo um recado para o “menino Zê: Que ficasse tranquilo, afinal, o presente dele também já estava na caixa para ser entregue, portanto – disse Papai Noel - não precisa ficar me mandando recado com indiretas na grafia das letras, para me lembrar do seu presente. Papai Noel disse isso porque o Zê, espertamente, trocava o S pelo Z, achando que iria enganar o bom velhinho. Olha só como o espertinho escrevia as suas cartinhas:
“ Papai Noel, minha caZa é logo ali!... Papai Noel, traga meu preZente primeiro!... Papai Noel, não querendo abuZar do Senhor... ”
Papai Noel sabia que criança era criança, quer dizer, letra era letra. Sendo assim, cumpriu mais uma etapa na vida de quem não faz outra coisa a não ser entregar as lembranças para o mundo inteiro. O sinos de Natal soaram com a beleza de sempre. As crianças correram em busca dos presentes. Quanto ao ZÊ - inquieto como sempre - continua dizendo que ainda vai criar um novo alfabeto, cujo nome será – Alfabeto Zumbix - uma sugestão proposta pelo amigo “Xis”, um indivíduo xereta e xarope, dono de um xeque-mate exclusivo para convencer a todos Como segunda letra desse novo alfabeto, o esperto “Xis” tentava algumas adesões importantes, por isso vivia dizendo:
- K, W e Y merecem nosso Xodó!... Viva o Alfabeto ZUMBIX!...
Mas a letra Xis, com o seu jeito de jogar xaveco no vazio, percebeu logo a xaropada que inventaram. A essa altura, o zombeteiro ZÊ, sem rumo, ziguezagueando entre os vocábulos, zurrava e zumbia a não mais poder. Por fim, ambos, o ZÊ e XIS, feito andarilhos zumbis, riram soltos da zoada e zombaria, certos de que tudo não passava de pura provocação ao tradicional abecedário. A letra A evitava, a seu modo, um confronto direto com os integrantes do ZUMBIX, preferindo – sempre que possível – analisar com seus provérbios:
- “Abnóxios, o que são!”... “Abominável” ZUMBIX!... “Abobrinhas”, o que falam!...
Ainda não sabemos como isso tudo vai
terminar. O ZÊ continua tortuoso e inconformado, e sempre está manquitolando com novas ideias pelo caminho.
E o Xis, claro, segue o mestre, está
sempre do lado dele. Por enquanto, o Papai Noel está tranquilo quanto aos
pedidos de todas as crianças do mundo, mas sabe que no meio do caminho sempre
pode ter uma pedra, quer dizer, uma letra que atende pelo nome de ZÊ, e que vive querendo mais e mais “ PreZentes”,
e primeiro que todos as outra crianças. “Vai que
uma hora dessas ele consegue mudar o alfabeto!...”
– analisa o bom velhinho, com toda a sua
alegria de sempre: Ho...Ho...Ho!... Ho...Ho...Ho!...
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