“NAPALM”
Já
no carro, em seu percurso de volta, uma profunda agonia tomou conta do Major.
Vivenciara nesse onze de agosto um dia
em que a soma das perdas aniquila e derrota o mais resistente do mortais. E antes
mesmo que chegasse ao Instituto Médico Legal – o IML, onde faria o reconhecimento do corpo, o botão
do rádio sentiu a pressão dos seus dedos, pois, ali, agora, ele
necessitava do silêncio como se fosse o
próprio ar que respirava. E sob aquele vazio volumoso e extremamente incômodo, o Major Benhur, culpando a
si mesmo pela obediência cega
às normas e às ordens da sua
Corporação, lembrara-se de Jeff –
o Chefe do Laboratório Químico nos USA,
responsável pela preparação e envio do napalm às frentes americanas no Vietnã. Também ele – recordava
Benhur – também ele, Jeff, cumprira
com rigor a sua missão de apoio
incondicional às políticas de
guerra, entretanto, experimentara o grito antibélico na própria pele, na própria
alma, diante das enfermidades, mortes e
do terror causados por sua presteza e competência!... Era assim que o Major se
sentia à entrada do estacionamento: desacreditado, sem forças e desfalecido, e
a um passo de tomar a mesma decisão de Jeff.
Naquela
manhã, quando o Major apertou fortemente o
celular sob sua mão, já deixava
transparecer uma preocupação
incomum para o início do seu dia; era visível que se perturbara com
o telefonema, e agora, ali, retrocedia o tempo, avaliando
a conversa com o interlocutor.
Quem passasse à curta distância ouviria o Major se expressar em tom de bronca ou de censura: “ - Ah!
Dona Nara!... Ah! Dona Nara!...” O Major
entendera de imediato que a mãe, dona Nara, ou talvez alguma amiga dela,
inocentemente, teria colaborado para que
o general Juce tivesse acesso ao seu
número particular... e da sua parte, o Major sabia que o general sempre fora um
obstinado, e a conseqüência disso é que se
transformara, hoje, no arqui-inimigo da Segurança Pública, o principal
homem à frente do crime organizado que invadira todo o sistema prisional no
estado. Já na sala, ensaiando os preparativos
para a reunião de cúpula, enquanto rodopiava o lápis entre os dedos, gesto que
lhe servia para estimular o pensamento,
o Major Benhur lembrou-se da sua
habilidade para o desenho. Por essa razão, faria surgir
sobre a folha em branco, o semblante perfeito do filho Marcelo, revelando, ali, para si mesmo, a preocupação e o desconforto que vivenciava no seu íntimo,
que em nada lembrava a noite em que se sentira atingido pelas farpas doces da felicidade, quando, no grande salão de eventos, sob aplausos, o filho Marcelo recebia uma destacada homenagem da Academia
de Polícia, de onde saía com o reconhecimento de todo o corpo docente. Nessa noite, o sorriso
do Comandante Benhur triunfou aos olhos
de todos. O que despertou Marcelo para
o sentido da farda, foi a sua relação amistosa com a
comunidade. A base móvel dava-lhe
o respeito e o compromisso de se fazer algo pelos
moradores. Era inegável, portanto, que na Unidade Móvel da praça Joana
D’Arc, todos o enxergassem como um amigo e excelente policial. Para o
Comandante, no entanto, sempre
causara incômodo essa atitude do filho, pois imaginava para ele, um futuro mais
próximo ao poder, talvez uma Secretaria,
a Diretoria de Operações, uma
Regional... E mais – para o
Comandante, a base móvel estava aquém do
filho e se revelava cada vez mais
perigosa. “- Um alvo a céu aberto!” - afirmava.
O filho, porém, sustentava a
firme convicção de se fazer por si, de subir pelos seus próprios méritos, ainda que todos os amigos o instigassem - “mas
você é o herdeiro do homem mais forte da Polícia”... Mesmo revelando uma preocupação extrema pelo filho, no fundo, no
fundo, o Major Benhur admirava aquela forte personalidade. Entretanto, na manhã de hoje, o telefonema do
general Juce fora claro: incluía o
policial Marcelo como moeda-de-troca nas exigências que fazia para a saída de presos no Dia das Mães. Mesmo
transtornado diante dessa morte anunciada,
e sem saber como, o Major, ainda encontrou forças para reviver o amigo
de infância, ou melhor, a
história da convivência de ambos até à
adolescência, quando tomaram rumos distintos.
Os pais de Juce e Benhur eram amigos, e
praticamente da mesma idade.
Quando se casaram, logo encomendaram
os filhos que, coincidentemente, nasceriam no
mesmo dia onze de agosto. Para alegria das famílias, os meninos Benhur e Júlio César, por
muito tempo, comemoraram juntos os festejos de aniversário.
Vale dizer que ambos – Benhur e Juce,
tiveram suas histórias de vida
regidas por uma epopéia familiar. Dona
Nara, mãe de Benhur e Dona Laura, mãe de
Júlio César, quando grávidas,
debruçaram-se sobre relatos de
heróis medievais, à cata de nomes
que mais se fizessem apropriados ao primeiro filho. Isso, tão logo o ultrassom acabara de
confirmar o sexo das crianças!... Dali à
escolha dos nomes, o tempo fora rápido.
Empolgada com a vida de um rico mercador Judeu, traído e escravizado
pelo antigo amigo romano, mas que se esforçara pela conquista da liberdade,
Narinha não vacilou: - Benhur!... – disse à amiga, contornando a barriga,
delicadamente, com as mãos, e
reiterando, inúmeras vezes, com amplo
sorriso nos lábios, o nome épico,
para que o próprio bebê pudesse
ouvi-la - Benhur!... Benhur!...
- Júlio César, mas sem o Caio - de
Caio não gosto!... Fica Júlio César!... dissera Laurinha, colocando um ponto final à sua procura. Júlio
César!... E dissera de forma empolgadíssima, especialmente, porque o achado era excelente: um
general importante do Império Romano, um homem audacioso ... enfim, um homem aguerrido! “- E
que melhor coisa o “Juce” iria querer, hein? -
acentuava, alegremente,
Laurinha, com a certeza de que
o apelido criado pela junção das
primeiras sílabas emprestava prestígio e
simpatia ao seu grande general
romano: JU-CE!... - e completava:- Juce é tão bonito, você não acha,
Narinha?... Dona Laura, mais que dona Nara, pouco a pouco, apresentava-se com uma habilidade acentuada para “Mãe”. Parecia ter sido feita sob medida para a
maternidade. E por isso, pode-se dizer
que adotara o filho de Narinha em seu lar, e reiterava, orgulhosamente: amava Benhur, gostava do jeito compenetrado
daquele menino, e via para ele – mais que no próprio filho – um brilhante
futuro!... Daí pra frente o mundo dera voltas e mais
voltas. E do desgaste na relação entre as duas crianças surgiram as
brigas e desavenças entre os dois
adolescentes. E do desentendimento crescente entre ambos,
aparecera o conflito latente dos homens
feitos: Benhur, o major Benhur, hoje
estava no Comando Geral da Segurança;
e Júlio César, o Juce, o general Juce, o
amigo de infância, hoje, era o homem
forte do tráfico, chefe da maior
organização criminosa implantada nos presídios. Mas tiveram
por onde serem rivais – ponderou
o Major Benhur, ainda com o lápis em
punho, lembrando-se de um antigo episódio, quando, cada qual a sua
maneira, ainda galgava o seu espaço; o
major Benhur surgira na corporação dando os primeiros passos no Presídio
Disciplinar – a menina dos olhos da
Segurança Pública - de gestos fortes
e irascível em decisões, Benhur logo
ganharia, internamente, o apelido que lhe faria jus por muito tempo: – Dá-Sem-Dó!... Por sua vez, ainda conhecido como “Fonte
Luminosa”, Juce apresentara-se à frente dos detentos com uma
liderança ímpar e criativa, capaz de
articular uma fuga memorável; ainda que tivesse acabado de forma
trágica, o episódio somou pontos
no mundo do crime, dando origem ao destemido JUCE, o general JUCE, como o
apelidaram, pois com a inteligência e a audácia dos aguerridos teria dado
liberdade a mais de uma centena de internos, não fora o desabamento
imponderável do túnel que soterrara
a maior parte dos fugitivos. Juce
escapara do incidente, no entanto, líder
nato, e temendo a prisão e transferência,
enfrentaria pela primeira vez, o antigo
amigo, o Major Benhur, por força de
uma ação de seqüestro sob seu
comando. Antes
que se pudesse contar até três na velocidade do som, o Major Benhur e sua tropa fizeram
tombar a porta da sala onde Juce mantinha a refém, entretanto,
recuaram temerosos diante do que viram. O general Juce desenhara um cenário
que exigia atenção e cuidados;
mantinha a Assistente Social junto
à mesa, deixando visível a faca ao
alcance da mão. O Major Benhur
pode ler nos olhos de Juce as artimanhas de um golpe anunciado, por isso,
manteve-se em silêncio, sinalizando
à tropa o posicionamento em
círculo. Estava claro que Juce levaria
essa infâmia ao fim do mundo,
pois mantinha a refém a uma distância precisa, inibindo
qualquer iniciativa precipitada.
Enquanto o silêncio se
prolongava, o Major Benhur tentava decifrar aquele cenário estratégico:
o episódio levado às últimas
conseqüências seria capaz de transformar o general
Juce, de bandido a herói, pois os tiros sobrariam em maior parte para a própria Assistente Social. Sobre
a mesa, a faca reluzia diante de todos,
parecendo dizer que estava à espera, que aguardava ordens
para cumprir o seu destino, ou seja, furar bem fundo a jugular da
Assistente. Refém do silêncio, aos poucos, o Major Benhur deixaria ver em sua face os contornos de um sorriso
enigmático, transformando-se paulatinamente no impulsivo Dá-Sem-Dó. Era evidente que precisava agir tal qual aprendera no comando da
Polícia. Sintonizada, a tropa de choque interpretava aquele código
em ordens de Atenção, Preparar,
Fogo!.... Nesse instante, porém, o que se ouviu a partir dali, foi um
grito ímpar. Um grito de mulher que, instintivamente, decifrava o enigma e doava-se de corpo e alma
aos seus rebentos. De braços abertos,
como um sinal da cruz a intimidar os Fariseus, a
Assistente compreendeu que nenhum
dos dois cederia à intenção e ao gesto. Cristãos todos, o general Juce e Dá-Sem-Dó recuaram, ambos, intimidados. A tropa baixou as armas. Juce afastou-se da
faca. E com a delicadeza de uma mãe,
coube à refém indicar um caminho seguro para todos. Dá-Sem-Dó
e o general Juce acenaram –
antagônicos - com uma certa reverência
diante dessa Nossa Senhora da Salvação.
Superado
o incidente, seguiram, ambos, cada qual
o seu caminho. E então, ali, agora, sobre a mesa, sob as mãos hábeis do exímio desenhista, Major Benhur, surgiria
no papel o rosto duro e grotesco do general romano Júlio César – aliado às palavras
do telefonema daquela manhã; “-
...Você me conhece, Benhur, ou facilita
a saída dos meus meninos ou ponho fim na
carreira do seu moleque ... o que acha? E sem dar qualquer trégua, Juce acentuaria a data comemorativa; - Ah! Benhur... Dona Laura manda
lembranças, nunca esquece do nosso
aniversário, você sabe! ...e de mais a
mais, você sempre foi o xodó da Velha, não é!?...
O
Major Benhur, com as mãos ágeis e uma
destreza incomum, pouco a pouco, impregnava a imagem do general romano, Juce, com
traços agressivos, Entretanto,
por mais que o rejeitasse, não
poderia deixar de vê-lo também nas cores puras da infância: o corajoso Juce, de semblante
inteligente, ágil e esperto... o estrategista Juce enganando a todos na brincadeira de “Salva-Cadeia”...Já não havia mais a quem
pegar, todos os meninos estavam presos na corrente indiana, faltando apenas o general romano Júlio César... e nada do Juce aparecer pra libertar
os amigos. Houve até quem o chamasse de general
traidor!... Ali na rua, próxima à
praça, apenas alguns bóias-frias solitários
chegando do trabalho com seus apetrechos e enxadas às costas... Pois,
exatamente quando passavam pela “cadeia”
surgiria o aguerrido Juce, disfarçado
num desses trabalhadores e, tranquilamente, daria o salvo-conduto a todos os
meninos naquela prisão inventada pelo
imaginário infantil!...
“- Bandido também tem Mãe, não é, Comandante!...”
Já na
reunião de cúpula, o Major Benhur
tentara esfriar os ânimos dos seus pares de linha mais dura sobre a
transferência de detentos para presídios de segurança máxima no interior do
estado. Mas a sua ênfase recaía quase sempre sobre a proposta de
liberação de presos no Dia das Mães. Era evidente que,
mesmo amaldiçoando Juce, o Major tentasse ganhar tempo para reelaborar
o projeto destinado aos detentos de alta
periculosidade. Entretido nessa
tese, a
referência às genitoras, sem que o Major
percebesse, fora motivo de ironia entre os homens da mesa oval. A
liberação de presos no feriado da
Mães ganhara desdobramentos. Os gráficos
da ala mais conservadora apontavam para um número excessivo de
presidiários com acesso ao benefício; o
que traria pânico e insegurança à
população, além de descrédito à própria esfera da Polícia. Depois de muitos
entreveros, decidiu-se por nenhuma liberação. Voto vencido,
o Major Benhur deglutia o resultado; e o seu desconforto
saltava aos olhos mais atentos de alguns membros da Corporação, como o Capitão
Jardim, que lhe indagara: - Está tudo bem, Major!?... Ao
deixar a sala, o Major entendera que lhe
restava, agora, somente correr contra o
tempo; restava-lhe acionar o celular do
filho com a
autoridade de Comandante e Pai.
Por essa razão dirigia-se, pessoalmente, ao Controle Geral para informar sobre o desativamento da
base Joana D’Arc.
Arriscava-se, é verdade. Corria
riscos, porém, era visível que temia
pela presença do filho naquele local, pois o recado do general
Juce fora claro. Em seu álibi, o
major Benhur justificaria a iniciativa como um estudo para futuros
desativamentos dessas unidades!... Mas,
o tempo fora curto. Curtíssimo até.
Antes mesmo que o Comandante Benhur dissesse “espera, Juce” na velocidade
digital do próprio celular,
a voz do aguerrido general romano crescia poderosa, atingindo contornos que
desfaziam qualquer acordo, deixando,
inclusive, suspeitas sobre o vazamento
da operação Dia das Mães. A voz seca de
Juce soara como um rojão, sinalizando um único caminho de entendimento. Emudecido,
Benhur sentia no próprio corpo, a pressão de um incômodo
e dolorido soco que o levava a nocaute
no chão de um ringue: “ - Não
brinco, Benhur!... Não brinco!.”.- finalizou Juce. Atropelando
os seus próprios movimentos, o
major Benhur avançaria corredor adentro no suntuoso prédio da Secretaria,
enquanto tentava, já, pela quinta
vez, acionar o celular do filho, a essa hora sem qualquer resposta. Benhur
seguiria atordoado, e quase em
transe, direto às salas
do Comando, onde pode confirmar o que o general
romano, Juce, já havia lhe soprado no telefonema: “ - A
base da Joana D’Arc foi atacada, Comandante .. e temos vítimas!.. Lamento, Major,
lamento!...
As
palavras do oficial de plantão soaram como um petardo arrasador, por isso,
quem olhasse para o
Comandante Benhur de volta à
sala, e o visse puxar a gaveta e
desta retirar a arma e o silenciador,
conferindo o seu carregamento,
por certo não conseguiria descrever
aquela estranha fisionomia. O que
se via ali, era um rosto com
marcas que mais pareciam frinchas numa parede nua; entretanto, eram visíveis no Major, os traços fortes, acentuando o que se pode chamar de raiva, ódio
e um clamor, impiedoso, de vingança;
quem por ventura passasse ali bem próximo, ouviria um nome reiterado de forma insistente nos lábios do Major Benhur: - Dona
Laurinha!.. O carro do Major Benhur fazia as manobras pelas ruas estreitas
do bairro, onde observara que, praticamente, ainda se mantinha a mesma geografia dos tempos
idos. Benhur ladeava o veículo e, por vezes, parava-o para conferir o nome da
rua, ou ainda, para ver de perto o pé-de-amora na casa de dona
Rosa, fruta que fora objeto de desejo da
sua infância... No entanto, hoje, ali,
Benhur direcionava o seu foco para a antiga casa azul de portão amarelo,
quando se incomodara ao acionar a campainha, atendida, sem demora, e que
colocaria Dona Laura, Dona Laurinha,
já bem idosa – a doce mãe do general romano Júlio César
- o Juce - bem à sua frente, a dois passos de distância, quando muito, irradiando uma esfuziante recepção
capaz de inundar a própria rua: - Benhur...meu menino!... e Narinha, como
vai? – Quanto tempo!... Que bom te ver ..Parabéns pra você e pro Juce!...
Por
instantes, o Major sentiria dentro de
si, a voz melodiosa da mãe de Juce como uma punhalada
que o perfurava até a alma. Entretanto, compenetrado e militarmente
circunspecto, diria para si mesmo,
que não haveria volta. Dona Laurinha que
o perdoasse, mas não poderia transigir no seu intento. Seu recuo
seria tão improvável quanto a ordem de Juce
contra a base móvel do seu
filho Marcelo. Enquanto a a imagem de
Marcelo surgia em sua mente
pedindo-lhe um socorro intermitente até se transformar num sussurro que sumia dos próprios lábios, a mão do Major Benhur seguia,
deliberadamente ao encontro da
arma; a sua respiração crescia ofegante, mas não o
impedia de assentir para si mesmo, que Dona Laurinha carregaria com ela, para
sempre, o vale-tudo entre os rivais, o
peso insuportável da retaliação entre polícia e bandido; entretanto, antes que o Major levantasse o
revólver à altura exata para o disparo, ouviu-se um ruído no alpendre,
marcadamente, a voz enfática e reticente
do general Juce: “
Mãe!...Mãe... está por aí?”
Aquela presença inesperada, colocaria ali, mais uma vez, frente a frente, o
general romano Julio César, o Juce, e
Benhur, o Major Benhur. Entre
eles, agora, Dona Laurinha. A mãe de ambos, que, eufórica, quebraria o
incômodo silêncio. A visita dos filhos
queridos, no dia do aniversário,
empolgava-a como nunca;
entretanto, ali, à curta
distância, os olhos do general Juce fulminavam como um
punhal o desafeto Benhur, e por certo,
perfurando-o, impiedosamente, com aquelas palavras-lâminas: Dona Laurinha, Benhur?... você ia atirar em Dona Laurinha... a Mãe que
sempre te acolheu?... Os olhos do
major Benhur, por sua vez, transformavam-se, ali, em um potente explosivo, capaz de esmigalhar quem se opusesse à sua
frente: - E Marcelo,
Juce, e Marcelo? ... você matou o meu
único filho!.... Com os olhares cruzados, faiscantes e
estratégicos, Benhur e Juce
definiam a certeza do primeiro
tiro, que, no entanto, fora
interrompido por Dona Laurinha: . -
O que houve, brigaram? - dissera
ela, ainda ligeiramente desorientada,
porém, capaz de perceber que nenhum dos
filhos arriscaria a romper o insuportável silêncio... E então, ali, em
fração de segundos, antes que as armas cumprissem o seu ritual... o que se ouviu, enquanto Benhur e Juce decifravam a estratégia que os levaria a eliminação de um ou de
outro... enquanto Benhur e Juce,
reféns da tragédia, deixavam ver
em suas faces os contornos de um final trágico e inadiável,... enquanto
ambos interpretavam os códigos da vida como ordens
de atenção, preparar, fogo! ....
nesse instante, nesse fatídico instante, o que se ouviu foi o grito daquela Mãe. Um grito de mulher que,
instintivamente, doava-se de corpo e alma às suas crias. De braços abertos, como um sinal da cruz a intimidar os Fariseus
naquele templo, Dona Laurinha
fez valer a experiência de quem percebe como inevitáveis, a intenção e o gesto. Cristãos todos, o general
Juce e o Comandante Benhur
recuaram intimidados. Ambos com o desconforto íntimo, abaixaram os olhos e as
armas diante daquela Salve Rainha, Mãe da misericórdia. Sem dizer qualquer palavra, mas com a delicadeza de uma Santa, Dona Laurinha
apontou-lhes o caminho seguro. O Major
Benhur com a respiração entrecortada e ofegante, deixava visível a dor latente em sua alma carregada de
ressentimentos: o pior deles, o pior de todos, ou seja, a decisão de matar Dona Laurinha para se vingar do general
Juce!... Cabisbaixo, e em silêncio sofrido, o Major Benhur afastou-se
lentamente buscando a saída como uma fuga desesperada. O general Juce reteve o seu ímpeto
sob o comando de dona Laura. E então, ali, rapidamente, Benhur e Juce
acenaram entre si, como um pacto, uma
trégua, um sinal de reverência diante daquela redentora, daquela
Nossa Senhora da Salvação.
As
luzes do estacionamento do IML, onde reconheceria o corpo do filho, já deixavam
marcas sobre a noite, quando o
Major Benhur - com gestos demorados, carregados de tensão daquele dia onze de agosto, e minado em suas últimas resistências,
retirou a arma e o silenciador do porta-luvas. Instantes depois, quem
olhasse para o veículo de luzes
apagadas - sob um som abafado, quase em
surdina - notaria o clarão, como o napalm incendiário, um risco de luz,
aquele brilho ágil e metálico de um
tiro ricocheteando no interior do carro, tal qual fizera o
Engenheiro Jeff O. Stanford no cumprimento do seu dever.
Texto: Celso
Lopes