“A CANETA REAL” -
Há canetas
simples, que se prestam unicamente para escrever, e outras, verdadeiras jóias,
verdadeiras peças de arte, muito mais destinadas à ostentação do que ao ato da
escrita. Segundo se sabe, as primeiras
canetas que substituíram a pena de
ave, eram pedaços de madeira com uma
ponta de metal, mas isso só viria a acontecer no século 18, quando começaram
surgir as variações desse objeto. Não
nos faltam razões para inferir que a “caneta-tinteiro real” de D.João
VI, já no século 19, a seu tempo, era moderna, atualizada e destinada às ações
e aos fatos, afinal, parece-nos ter sido utilizada sem titubeios, servindo à
abertura dos portos, à revogação de leis
restritivas ao comércio e à indústria, à criação de canais de decisão e
soberania na colônia, à abertura de estradas, ao incentivo à imprensa, aos investimentos nos cenários de educação e
saúde, aos impulsos importantes nos
ambientes artístico-cultural, entre outras medidas que, juntas,
injetaram doses de muito otimismo e euforia na pacata “vila
Brasil” daquela época.
Tampouco nos
falta razão para admitir que a comitiva real, a despeito da fuga, apressada,
diante da invasão Napoleônica, colocara em ação um antigo plano B,
reservado, estratégica e
preventivamente, para se evitar um provável novo ataque ao
território português. Afinal, Portugal
passara 60 anos sob o domínio da Espanha, e nada garantia que estivesse imune e
protegido dessas “intempéries”.
Portanto, nesse caso, o “Brasil” poderia ser uma saída à altura. Para se convencer disso, na opinião da
Professora de história Francisca Nogueira Azevedo (UFRJ), basta que se atenha
às palavras do diplomata português Luis da Cunha, ainda no começo do século 18,
dirigidas à Sua Majestade D.João V, numa ‘carta quase profética’: “ Considerei que S.M. se achava na idade
de ver potentíssimo e bem povoado aquele
imenso continente do Brasil e nele tomasse o titulo de Imperador do Ocidente
(...) Na minha opinião o lugar próprio de sua residência seria a cidade do
Rio de Janeiro”. (grifo nosso). Segundo a historiadora, a idéia
estendeu-se ao século 19, e encontrou em D.Rodrigo de Souza Coutinho,
o chefe do Tesouro Real, um defensor ferrenho, como se pode avaliar nessas
palavras “ Portugal não é a melhor parte da monarquia, nem a mais essencial.
Depois de devastado por uma longa e sanguinolenta guerra, ainda resta ao seu
Soberano, e aos seus povos, irem criar um poderoso império no Brasil”
Não nos faltam
razões para inferir que a caneta- tinteiro real utilizada em
1808, mantinha-se embebida dessa
história, e por isso mesmo fora utilizada com uma certa maestria por
D.João VI e sua equipe, quando, rapidamente, em solo brasileiro, não
pouparam tintas para traçar um novo
colorido social, econômico e cultural nas terras brasileiras. E por certo, os pigmentos dessa tinta remontam
a quatro séculos, pois em 6 de
fevereiro de 1608, nascia em Portugal, o
Padre Antônio Vieira que, ainda criança, emigraria para o Brasil onde se
prepararia para uma atuação expressiva sob os auspícios da Companhia dos
Jesuítas. Os ecos da sua brilhante
participação estão presentes em,
praticamente, todos os campos de exigência lúcida, seja como diplomata,
profeta, pregador, missionário, literato, entre outros, e ainda permanecem sob
atenção e estudos. É de se supor,
portanto, que essa “voz” capaz de reverberar nas terras do Brasil e da
Europa, ora nas singelas aldeias indígenas, ora nos mais
renomados púlpitos de pregação
religiosa, ou ainda, nos sofisticados recintos palacianos, tenha avançado o
suficiente para garantir brilho à
tintura real, dois séculos à frente,
quando a Corte portuguesa com
aproximadamente 15 mil pessoas, aqui
aportou às pressas, fugindo da iminente
invasão francesa de Napoleão Bonaparte.
Do Padre Vieira,
basta dizer, para surpresa dos
leitores “que seus escritos de quase
quatro séculos podem ser mais reveladores da atualidade do que as notícias
do jornal do dia”, como
assinala o professor Francisco Maciel Silveira (USP), na coluna de Francisco
Quinteiro Pires, da Agência Estado.
Duzentos anos depois de Vieira,
D.João VI e sua equipe, ainda que
sem a lucidez, a visão holística do seu
antecessor, sem a sua formação Jesuítica, a erudição política e econômica, e até
mesmo, carentes da habilidade do artista-escultor, como pregava Vieira sobre o papel do
Missionário, ao que parece, o séqüito
real deteve-se apenas no mundinho das possibilidades reais, das necessidades primárias e prementes da
colônia (o que não foi pouco, obviamente.)...
Mas, ao agir assim com a sua caneta-real, Sua Majestade pareceu cumprir de uma só tacada dois
aforismos que lhe caem como uma luva. Um deles, do escritor inglês, Christopher
Lee, ao nos dizer que “ As pessoas fazem a história, mas elas nem sempre se
dão conta do que estão fazendo”. O outro, do próprio Padre Antônio Vieira
que, no campo das probabilidades, parece ter saído dos antigos tinteiros, que o Pregador, por certo, sempre deixava disponível para os seus
momentos repletos de engenhosidade de raciocínio e clareza de estilo. Com sua “pena
de ave”, Vieira nos legaria um
recado que, não custa reiterar, traz consigo um certificado de validade
universal e atemporal: “ Não tem de
olhar para o céu, mas para as cegueiras do mundo”. O seu
cumprimento, entretanto, faz exigência
de verdadeiras canetas reais, aquelas simples, práticas, sem rococós,
destinadas unicamente a produzir o encantamento
e as idéias concretas, passíveis
de serem
desdobradas ao infinito, em todas
as suas possibilidades, para se
atingir o “bem-comum” dos súditos
de todas as gerações.
* Crônica classificada em 2o. Lugar no
concurso da Academia de Letras dos Campos Gerais – Ponta Grossa/PR – Concurso “
200 anos da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil ” (2008 )
Nenhum comentário:
Postar um comentário